Açorianidade – 268 [José António Camões, “Elegia”. Tributo, “Ventos e Mares”].
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N’uma causa que chamaram criminal
Até me acusaram d’eu ter feito
Um certo testamento burrical!
De tal obra me arguiram com efeito;
Q’eu por ella merecia penas duras
Ora vêde se achais nisto algum geito!
Expuseram-na a rigidas censuras
De dous colegas seus, e dous frades,
Que disseram contra ella diabruras!
Se quizessem ostentar habilidades
Em tecer uma união de disjuntivos
Não podiam dizer mais asnidades!…
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Uma simples, inocente alegoria
Era o tal testamento q’eu só fiz,
para desterro da minha hypocondria
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José António Camões, in Francisco F. Drumond, Anais da ilha Terceira, (fac-simile da ed. de 1850-1864), Angra do Heroísmo, Governo Autónomo dos Açores, 1981.
*A propósito das acusações de que foi alvo relativas ao poema «em verso heróico, o testamento do burro [farsa carnavalesca], em o qual descreveu bem ao vivo o caracter, modo e simplicidade de muitas pessoas da mesma ilha, assim seculares como ecclesiásticos».
Camões, José António (1777-1827) padre, professor, poeta, natural da Fajã Grande ou da Fajãzinha, ilha das Flores, trabalhou na terra natal e em Ponta Delgada da mesma ilha onde veio a falecer.