joao lopes
21 Ago 2015 0:13

Que é feito das personagens divinas, assombradas por paixões e dramas muito humanos, que Ovídio acompanhou nas suas "Metamorfoses", publicadas há 2000 anos? Pois bem, a resposta dada por Christophe Honoré poderá condensar-se numa ideia muito simples: tais personagens andam por aí, vivendo e revivendo as suas atribulações em cenários dos nossos dias.

"Metamorfoses" é o mais cristalino dos filmes — mas também o mais difícil de definir. Porque, de facto, não se trata de transpor o texto de Ovídio para a nossa actualidade, diluindo-o em novas paisagens. Num certo sentido, aquilo que Honoré procura é uma espécie de coexistência de contrários: as palavras do original penetram nas nossas paisagens urbanas, por assim dizer à procura de uma pureza natural que já não sabemos onde está ou pode estar.




Por alguma razão, o filme vai acumulando imagens de elementos naturais (magnificamente fotografados por Andre Chemetoff), como se se tratasse de encontrar os cenários de um paraíso perdido em que palavras e corpos podem coabitar numa cumplicidade mutuamente reveladora. A opção por actores pouco ou nada conhecidos vai no mesmo sentido — filmar as personagens e suas relações como se assistíssemos ao nascimento de um novo mundo.
"Metamorfoses" parece representar uma viragem de Honoré, porventura à procura da espessura própria dos textos clássicos (dizem as notícias que ele está a filmar "Os Desastres de Sofia", da Condessa de Ségur). Seja como for, como não observar aqui o gosto de uma musicalidade narrativa que já estava presente, como é óbvio, nos seus filmes (mais) musicais? Em boa verdade, entre este filme e, por exemplo, "As Canções de Amor (2007) ou "Os Bem-Amados" (2011) há uma fundamental cumplicidade afectiva.

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