A retirada de Dunquerque filmada por Christopher Nolan — algumas memórias do classicismo


joao lopes
20 Jul 2017 1:37

Com filmes mais ou menos interessantes, o actual modelo de exploração cinematográfica do Verão tem gerado opções cada vez mais limitadas. Dito de outro modo: a dominação — comercial, promocional e mediática — dos "blockbusters" criou uma percepção da própria distribuição/exibição em que tudo o que seja um pouco diferente corre o risco de ser asfixiado pelo marketing. Dir-se-ia que o novo filme de Christopher Nolan, "Dunkirk", nasce desse imbróglio.

Tudo se passa como se Nolan tivesse tentado resolver a quadratura do círculo… A saber: será possível construir um objecto que, de alguma maneira, corresponda às regras industriais do Verão (e para o Verão), ao mesmo tempo revalorizando as componentes mais nobres das superproduções clássicas? Ou ainda: num mercado dominado por super-heróis digitais & voadores, ainda será possível relançar as matrizes do tradicional filme de guerra?
Os resultados são inevitavelmente paradoxais. Assim, para encenar a retirada das tropas aliadas de Dunquerque (porque é que o título original não foi traduzido?…), em Maio/Junho de 1940, Nolan parece querer acomodar-se à convenção pueril, dominante nos filmes de super-heróis, segundo a qual a um clímax só pode seguir-se… outro clímax — na prática, a ausência de contrastes dramáticos instala uma narrativa que tem qualquer coisa de colagem de clips televisivos.
Ao mesmo tempo — e é esse o risco mais interessante —, Nolan tenta devolver ao filme de guerra uma respiração realista que, como é óbvio, está inscrita na sua mais nobre tradição espectacular, de "A Ponte do Rio Kwai" (1957), de David Lean, a "O Resgate do Soldado Ryan" (1998), de Steven Spielberg. Isto sem esquecer que ele parece querer também reencontrar a dimensão mais experimental, e também mais fragmentada, dos seus primeiros trabalhos, isto é, "Following" (1998) e "Memento" (2000).
Será que "Dunkirk" consegue sustentar algum tipo de comparação com tais referências? Creio que não. Em todo o caso, sublinhe-se o facto de estarmos perante um filme que, de facto, se interessa pela dimensão humana das suas personagens e, através delas, da própria acção. Em tempos de tantas crises de linguagem, "Dunkirk" renova a ideia de que o cinema pode ser maior que a vida — por isso mesmo, neste caso, a sala IMAX é mesmo o lugar ideal para o descobrir.

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