Bakary Koné: como se fosse Sheherazade numa prisão da Costa do Marfim...


joao lopes
7 Ago 2021 13:25

Dir-se-ia Scheherazade em versão masculina… Ou "As Mil e uma Noite Noites" numa prisão da Costa do Marfim. O paralelismo foi, aliás, totalmente assumido pelo realizador Philippe Lacôte (nascido em Abidjan, em 1971) no Festival de Veneza. Assim, a personagem central de "A Noite dos Reis" é um jovem (Bakary Koné) que entra numa instituição prisional, de nome MACA, conhecida pelo facto de ser gerida pelos próprios prisioneiros — como uma espécie de ritual de integração, o líder da prisão obriga-o a contar histórias, sem fim, durante uma noite…

… sem esquecer, claro, a referência de Shakespeare. Deparamos, assim, com um curioso misto de realismo muito cru e delirante artifício: por um lado, aquele é um espaço dantesco em que as personagens circulam como marionetas de um universo, afinal, regido por leis muito estritas; por outro lado, as histórias que se vão acumulando têm como ponto de fuga a utopia de um infinito romance. Simbolismo transparente: o novo prisioneiro recebe o nome de "Roman".

 


O trabalho de Lacôte integra ecos muito concretos da história recente da Costa do Marfim (em particular as convulsões vividas durante o mandato do presidente Laurent Gbagbo). Ao mesmo tempo, a sua mise en scène é regularmente atraída pelos ecos lendários das narrativas de Roman, intercalando as cenas de prisão com alguns esquemáticos flashbacks "históricos".
A opção é francamente discutível, sobretudo porque limita os efeitos dramáticos dos cânticos e das coreografias (muito elaboradas) no interior da prisão, "obrigando-as" a possuir um muito esquemático complemento "ilustrativo". É pena, já que nos seus melhores momentos "A Noite dos Reis" possui a energia de uma genuína tragédia musical.

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