Romain Duris e Anaïs Demoustier — iconografia e poesia do cinema de François Ozon


joao lopes
26 Mai 2016 15:32

Como definir, afinal, as linhas de força do cinema de François Ozon? Como ligar — se que é tal é possível — títulos tão fascinantes, e também tão diferentes, como "Gotas de Água sobre Pedras Escaldantes" (2000), adaptação de uma peça de Rainer Werner Fassbinder, "8 Mulheres" (2002), um musical, ou "O Tempo que Resta" (2005), uma reflexão sobre a aproximação da morte?

Talvez possamos responder através do novo lançamento com assinatura de Ozon, "Uma Nova Amiga", brilhante exercício narrativo inspirado num conto de Ruth Rendell ("The New Girlfriend"), definido a partir de um triângulo invulgar: duas amigas, Claire (Anaïs Demoustier) e Laura (Isilde Le Besco), e o marido de Laura, David (Romain Duris); quando Laura morre, Claire descobre que David "compensa" a falta da mulher, assumindo-se ele próprio como personagem feminina…  



Que está em jogo, então? Seja qual for o registo dramático, "ligeiro" ou "grave", Ozon tende a colocar em cena personagens que transcendem os modelos de comportamento que, por razões públicas ou privadas, são levadas a assumir. Seria, por isso, um erro encarar a transfiguração de David como o assumir de uma posição "militante" — se ele desliza para a personagem de uma mulher (a que Claire dará o nome de Virginia), é tão só para ser fiel à verdade mais íntima dos seus desejos e do amor que neles se transporta.

Ozon consegue, assim, a proeza, ao mesmo tempo iconográfica e poética, de discutir o próprio conceito de personagem, nessa medida mobilizando os actores para um invulgar jogo de evidências e máscaras. No caso de "Uma Nova Amiga", importa destacar a subtil composição de Romain Duris, afinal superando e, de alguma maneira, ironizando a própria dicotomia sexual.

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