O filme final de Resnais celebra o cinema através da teatralidade da vida


joao lopes
15 Out 2014 0:48

A estreia simultânea dos dois últimos filmes do mestre francês Alain Resnais (ver artigo sobre "Vocês Ainda Não Viram Nada") constitui, de facto, um dos grandes acontecimentos deste ano cinematográfico. "Amar, Beber e Cantar", título final de Resnais, é mais uma exuberante confirmação do seu gosto pelo teatro e, mais do que isso, pela teatralidade como elemento visceral das relações humanas.

O filme assinala o reencontro com o teatro do inglês Alan Ayckbourn, que já tinha servido de inspiração a Resnais em "Smoking/No Smoking" (1993) e "Corações" (2006). A partir da peça "Life of Riley", "Amar, Beber e Cantar" confunde-se, afinal, com uma parábola irónica sobre a própria criação artística — tudo se passa, convém referir, no seio de um grupo de amigos que preparam uma peça com esse misterioso Riley de que todos vão falando… Pelos seus diálogos perpassa o sentimento eufórico e paradoxal da fragilidade da vida vivida, da atracção da vida representada.



No fundo, Resnais nunca se afastou da ideia segundo a qual o cinema, em vez de "transcrever" a vida humana, é algo que se inscreve nela como uma espécie de espelho: por um lado, vemo-nos como somos; por outro lado, aquilo que vemos é passível de ser discutido na própria verdade que transporta.

Com vários nomes emblemáticos da sua "troupe" de actores — Sabine Azéma, André Dussollier, Michel Vuillermoz, etc. —, "Amar, Beber e Cantar" ficou como um insólito e divertido testamento. Dando provas de uma alegria criativa de fazer inveja a muitos jovens criadores, Resnais encerrou a sua obra com um objecto admirável que, em última instância, celebra os prazeres da liberdade criativa.

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