Onata Aprile e Alexander Skarsgard: o que é ser uma criança?


joao lopes
18 Abr 2014 1:44

Porque é que os mais belos filmes têm tão discretas promoções comerciais?… E porque é muita comunicação social se mostra quase indiferente aos respectivos lançamentos?…

As perguntas têm, por certo, muitas e variadas respostas. E envolvem complexas estruturas — informativas, económicas, mediáticas — que não podem ser reduzidas a uma banal divisão entre "bons" e "maus".
Apesar disso — ou precisamente por causa disso —, vale a pena dizer que é pena que um filme como "O Que a Maisie Sabe" surja nas salas de forma discreta, porventura sem meios práticos para, ao menos, a sua existência ser conhecida pelos seus espectadores potenciais.
E que espectadores são esses? Pois bem, todos aqueles que guardam memórias das convulsões da sua infância ou, então, vivem ou já viveram alguma relação com crianças… Serão assim tão poucos? E tão indiferentes?
Por um lado, a história contada em "O Que a Maisie Sabe" toca-nos através da errância da pequena Maisie e das suas aventuras sem efeitos especiais. Que é como quem diz: a separação dos seus pais faz com que ela ande de casa em casa sem saber muito bem onde pertence ou pode pertencer, numa odisseia que reflecte as muitas fissuras do imaginário familiar contemporâneo.
Por outro lado, o filme dirigido por Scott McGehee e David Siegel consegue essa proeza brilhante (e profundamente desconcertante, há que dizê-lo) de investir o romance de Henry James, publicado em 1897 — "What Maisie Knew" —, adaptando-o sem mácula às paisagens sociais e às nuances afectivas do seu/nosso presente.
Estamos, convém lembrá-lo, perante dois cineastas que, em permanente colaboração, têm definido uma das obras mais singulares, e também mais fascinantes, da área dos independentes americanos — lembremos o seu enigmático filme de estreia, "Suture" (1994), ou ainda esse intenso thriller familiar, com Tilda Swinton, que era "The Deep End/Até ao Fim" (2001).
A estratégia de McGehee/Siegel está sempre enraizada numa metódica exigência realista. Não um realismo iludido com qualquer forma de transparência (nada a ver com os clichés da telenovela), mas sim um realismo que desmonta as evidências do real, mostrando como quase tudo o que nele se exprime está longe de ser… evidente.
Neste caso, essa permanente tensão entre o que se vê e o que apenas se supõe ou imagina surge pacientemente filtrada pelo olhar de Maisie (notável composição de Onata Aprile!). Ou seja: estamos perante uma mise en scène alicerçada numa complexa textura de olhares cujo ponto de fuga está nesse ser, frágil e inteligente, que tenta encontrar o seu caminho no interior do mundo agitado dos adultos.
E se Onata Aprile é o perfeito oposto das crianças "pitorescas" de muitas ficções televisivas, como não sublinhar que o universo de McGehee/Siegel, assumindo a sua ligação com a riquíssima herança do melodrama clássico — Cukor, Minnelli, etc. —, se enraiza numa metódica paixão pelos actores?
Julianne Moore, Steve Coogan, Joanna Vanderham e Alexander Skarsgard são os notáveis intérpretes adultos desta saga familiar em que, afinal, a própria definição de família é, de uma só vez, o valor mais desejado e mais difícil de formular — o realismo é também essa arte de discutir a arte de viver.

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