Sónia Braga, ao centro, volta a trabalhar sob a direcção de Kleber Mendonça Filho

17 Mai 2019 1:54

É difícil descobrir o filme brasileiro "Bacurau" sem pensar na herança plural, temática e visual, de Glauber Rocha ("Barravento", "Deus e o Diabo na Terra do Sol", "António das Mortes", etc.). Dito de outro modo: este é o retrato de um Brasil interior em que pequenas comunidades lutam por superar as suas dramáticas carências, ao mesmo tempo tornando-se alvo preferencial de interesses predadores…

Com uma nuance que importa sublinhar: não estamos perante um crónica social da actualidade, antes num tempo a que apetece chamar de ficção científica, já que tudo acontece "num futuro próximo"… Depois da morte de Carmelita, aos 94 anos, matriarca de Bacurau, a população descobre que a sua localização desapareceu dos mapas — para além do drama da falta de água, a aldeia está ameaçada por assassinos a soldo…
É um filme, no mínimo, bizarro na trajectória de Kleber Mendonça Filho, sobretudo se pensarmos em "Aquarius" (2017), um retrato das convulsões urbanas do Recife, com Sónia Braga no papel central. Desta vez, ele assina a realização com Juliano Dornelles (responsável pelos cenários de "Aquarius"), num registo em que a parábola social se cruza com elementos que, justificadamente ou não, nos remetem para a memória do "western", em particular o "western" nordestino de Glauber.
Sónia Braga volta a estar presente, a par, por exemplo, do alemão Udo Kier, num leque de personagens que vão ficando reduzidas a frágeis peões de uma narrativa a que a abundância de sangue não consegue acrescentar qualquer efeito de verdade. Nem caricatura burlesca, nem fresco socio-político, "Bacurau" é, obviamente, um filme que tem o mérito de se colar à actualidade brasileira, expondo um desencanto que não encontra redenção nas referências do passado — é pena que, cinematograficamente, o resultado ande à deriva.
  • cinemaxeditor
  • 17 Mai 2019 1:54

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