David Mourato filmado por João Salaviza — face à desagregação do mundo dos adultos


joao lopes
19 Nov 2015 18:24

O trabalho de João Salaviza está todo ele marcado pelas marcas e mágoas de uma juventude desamparada, no limite vivendo sob o efeito da ausência dos pais — lembremos os casos exemplares de "Arena" (2009) e "Rafa" (2012) que lhe valeram importantes distinções em Cannes e Berlim, no sector de curtas-metragens (respectivamente uma Palma de Ouro e um Urso de Ouro).

Ao estrear-se na longa-metragem, Salaviza mantém-se fiel ao programa temático dos seus títulos anteriores: "Montanha" é o retrato íntimo de David (David Mourato), um rapaz de 14 anos que vive num vai-vém sem solução aparente: por um lado, a decomposição da relação dos pais há muito lhe conferiu o inusitado papel de "homem da casa"; por outro lado, o estado de saúde do avô, hospitalizado, fá-lo pressentir o fim iminente de um modo de existir ainda tocado pelas ilusões da infância…
Em boa verdade, este é um daqueles filmes em que a mera enumeração das "peripécias" da acção será sempre superficial e insuficiente. Aquilo que Salaviza procura não é tanto uma acumulação de eventos que, por assim dizer, se explicam uns aos outros, antes a definição de um clima afectivo e emocional em que a odisseia de David adquire uma dimensão potencialmente trágica. Que é como quem diz: como sair da infância, abraçar as agruras da adolescência e lidar com as imperfeições do mundo dos adultos?
Tal como nos títulos anteriores de Salaviza, "Montanha" envolve um misto de constatação e perplexidade face à tristeza urbana em que tudo isto acontece. A observação das paisagens menos centrais da grande cidade — e, em particular, a ambiência gélida de uma arquitectura desumanizada — constitui, aqui, um factor fundamental. Talvez possamos dizer que "Montanha" sublinha a importância de um certo realismo que, com maior ou menor felicidade criativa, nunca abandonou o cinema português.

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