Natalia de Molina e Andrea Fandos: memórias espanholas do começo da década de 1990


joao lopes
4 Jun 2021 16:52

Face a um objecto tão especial como "Raparigas" — eleito melhor filme espanhol nos prémios Goya referentes a 2020 —, talvez seja inevitável evocarmos algumas referências da produção de Espanha. Desde logo, Luis Buñuel, claro, pelo assombramento erótico, intrinsecamente sexual, de todas as cenas do quotidiano. E também Pedro Almodóvar, pela forma como esse assombramento se refaz em diversos modos de aprendizagem e educação…

Seja como for, vale a pena deixar claro que o trabalho de Pilar Palomero (também argumentista, aqui a estrear-se na realização de longas metragens) não depende de qualquer lógica de "imitação" seja de quem for. À sua maneira, sóbria e singular, "Raparigas" é também um filme sobre uma alma espanhola que, aqui, se exprime, através das personagens jovens que o título identifica.

E quem diz alma, diz corpo. As alunas de um colégio religioso existem, assim, numa encruzilhada: por um lado, são ensinadas a conceber uma existência (feminina) em que o sexo faz parte de uma austera ordem familiar, apresentada como única, indiscutível e redentora; por outro lado, a sua relação com o mundo "lá fora" permite-lhes perceber que nada é tão evidente ou esquemático, até porque vivem um tempo de muitas transformações (começo da década de 1990) que desafia e questiona a sua credulidade.
O mais interessante da estrutura narrativa montada por Palomero é que nada disso surge reduzido a modelos "sociológicos" ou conflitos "morais". "Raparigas" tem mesmo como linha de força fundamental a relação entre uma das alunas, Celia (Andrea Fandos) e a sua mãe (Natalia de Molina), estabelecendo subtis relações dramáticas entre a paisagem educacional e os silêncios do espaço familiar. Em resumo: uma verdadeira revelação. 

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