Igor Regalla interpreta Eusébio: sobriedade, rigor e ironia


joao lopes
4 Mai 2018 16:16

Eis um filme cujo título é um enigma, tão insólito quanto desconcertante: Ruth foi, de facto, o nome de código com que Eusébio da Silva Ferreira viajou de Lourenço Marques para Lisboa, no início da década de 1960, para vir jogar futebol para o Benfica — receando que o Sporting ainda pudesse contratar o jovem moçambicano, os responsáveis benfiquistas fizeram com que Eusébio entrasse e saísse do avião com o "nome de código"… Ruth.

Convenhamos que o cinema português nem sempre tem sido muito feliz ao abordar figuras emblemáticas (Salazar, Amália, por exemplo) cuja história se confunde com o mito. Não é fácil, de facto, trabalhar sobre o conhecimento adquirido (bem ou mal…) sobre tais figuras, encontrando as soluções mais equilibradas, algures entre o que é lugar-comum generalizado e o que pode ser a descoberta das suas singularidades, nomeadamente no domínio psicológico.

Sustentado por um depurado argumento de Leonor Pinhão, esta primeira realização cinematográfica de António Pinhão Botelho possui o mérito de não se deixar enredar em simbolismos fáceis. A abordagem da figura de Eusébio é feita sem preconceitos, desde as suas origens humildes em Lourenço Marques até ao envolvimento nas guerras de bastidores entre Benfica e Sporting, ambos empenhados em garantir a contratação de tão invulgar promessa futebolística.

Daí que o filme "Ruth" consiga a proeza, simples e tocante, de ser um retrato anti-mito, além do mais antologiando alguns sugestivos sinais de um tempo de dramáticos paradoxos: Portugal era esse país enredado nas atribulações clubísticas do futebol, ao mesmo tempo que todos começavam a sentir os primeiros sinais, ainda que abafados, da eclosão da Guerra Colonial. Tudo isto, importa não esquecer, com Igor Regalla a compor a personagem de Eusébio com sobriedade, rigor e também, por vezes, uma calculada ironia.

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