Clara Riedenstein e Marcello Urgeghe — do século XVI para o nosso presente


joao lopes
2 Mar 2019 14:47

Face a um filme como "A Portuguesa", podemos perguntar como é possível "reconstituir" as atribulações de uma dama portuguesa (Clara Riedenstein) no século XVI, no norte de Itália, aguardando o regresso do seu marido (Marcello Urgeghe), um nobre de ascendência germânica que partiu para a guerra?

Valerá a pena começar por lembrar o óbvio. Que é também sempre o mais esquecido. A saber: nunca há "reconstituição" do que quer que seja — filmar é criar uma narrativa presente e para o presente. Eis algumas esclarecedoras palavras da realizadora, Rita Azevedo Gomes:


“(…) tudo o que se passa entre a Portuguesa e o marido (Von Ketten) assenta no não-dito. Ninguém sabe ao certo se realmente existiram ou não. Não é a veracidade disso que importa. Esta história, num determinado período da História, rente ao Principado Episcopal de Trento, liga-nos a uma série de factos que reflectem o tempo actual, partindo do princípio de que os nossos antepassados não eram diferentes, apenas estavam num lugar diferente. Não é tão difícil fazer do homem gótico ou do grego antigo o homem da civilização moderna.”

Redescobrimos, assim, as virtudes de um cinema que se enraiza nas memórias históricas para se ramificar num exercício de encenação e reflexão em que os ecos de tais memórias surgem contaminados por elementos de natureza simbólica e poética. Nesta perspectiva, talvez possamos inscrever "A Portuguesa" (adaptado de uma novela de Robert Musil) numa tradição cinematográfica em que podemos encontrar as referências emblemáticas de Manoel de Oliveira, Jacques Rivette ou Ermanno Olmi.

Sustentado por uma produção de recursos minimalistas, mas muito consistente, "A Portuguesa" distingue-se por um magnífico trabalho de direcção fotográfica, da responsabilidade de Acácio de Almeida. Ele é, afinal, um dos nomes centrais da história da fotografia no cinema português, com uma vasta filmografia que inclui títulos tão especiais como "O Passado e o Presente" (Manoel de Oliveira, 1972), "Brandos Costumes" (Alberto Seixas Santos, 1975) ou "A Cidade Branca" (Alain Tanner, 1983).

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