Revivendo as memórias da violência na Indonésia: o que é um olhar documental?


joao lopes
20 Abr 2014 22:48

Qual é o acto de matar referido no título do filme de Joshua Oppenheimer? Pois bem, evoca-se o extermínio de cerca de meio milhão de cidadãos da Indonésia, conduzido por um bando de mercenários que, em nome de uma purga anti-comunista, em 1965-66, prepararam o caminho para a chegada ao poder do Presidente Suharto.

Estamos, portanto, perante uma evocação documental. Mas com uma derivação insólita e muito perturbante, para além das fronteiras convencionais do género. Assim, Oppenheimer conseguiu contactar alguns dos responsáveis por tais crimes, convencendo-os não apenas a prestar o seu depoimento, mas também a protagonizar, perante as suas câmaras, diversas reconstituições dos actores brutais que perpetraram.
O resultado envolve uma ambiguidade fundamental. Ou seja: até que ponto, ao transferir para aqueles confessos criminosos (que permanecem sem ser julgados) a "descrição" dos actos em causa, o filme não está a abdicar da construção do seu próprio ponto de vista? Ou ainda: quando se filma um crime através do discurso do criminoso, qual o papel narrativo e moral do próprio cinema?
É óbvio que Oppenheimer não está, nem de longe nem de perto, a tentar branquear os seus protagonistas — até porque, redobrando o choque, a maior parte deles apresenta uma visão linear, desprovida de remorso, da violência que consumaram. E se é verdade que podemos discutir o dispositivo que o realizador montou, não é menos verdade que a sua formulação se enraiza num enunciado fundamental. A saber: a verdade é, não uma "transcrição", mas uma construção narrativa.
Até certo ponto, creio que podemos aproximar "O Acto de Matar" desse filme extraordinário (também recentemente estreado entre nós) que é "A Imagem que Falta", do cambodjano Rithy Panh. Neste caso, tratava-se de abordar o genocídio conduzido pelos Khmer Vermelhos, superando a própria rarefacção de imagens imposta pelo respectivo regime; em "O Acto de Matar", procura-se encontrar as imagens que consigam ajudar a conhecer os factos que, afinal, ninguém esquece.

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