Paul Walter Hauser — um verdadeiro actor num filme exemplarmente realista


joao lopes
2 Jan 2020 22:39

Personagens digitais?… Corpos virtuais?… Pois bem, caro leitor, vale a pena lembrar que ainda existem actores de carne e osso, gente que surge nos nossos ecrãs, não para funcionar como marioneta dos técnicos de efeitos (pouco) especiais, antes para expor os contrastes e contradições da dimensão humana. Assim, por exemplo, Paul Walter Hauser, intérprete da personagem central de "O Caso de Richard Jewell", o novo e admirável filme assinado por Clint Eastwood.

Tinhamo-lo visto em papéis secundários de "Eu, Tonya" (2017), de Craig Gillespie, ou "BlacKkKlansman: O Infiltrado" (2018), de Spike Lee. Desta vez, o trabalho de Hauser é tanto mais fascinante quanto se trata de expor as convulsões muito particulares — e perturbantes — da experiência de um homem enredado numa complexa teia de factos e especulações: Richard Jewell descobriu uma bomba colocada num recinto dos Jogos Olímpicos de Atlanta (1996), salvando algumas centenas de pessoas, mas vindo a ser acusado de cumplicidade com o próprio acto terrorista.



Como se prova, Eastwood continua fascinado pelas evocação de pessoas e factos verídicos — de "Bird" (1988), uma biografia de Charlie Parker, a "Milagres no Rio Hudson" (2016), sobre um célebre acidente com um avião, os exemplos são muitos e muito variados. Desta vez, aquilo que o interessa é o perverso processo que transforma Jewell em alvo de dois sistemas sociais: primeiro, o espaço mediático à procura de figuras que possam "justificar" as mais lamentáveis práticas especulativas; depois, o aparelho de justiça, ou melhor, o FBI tentando "inventar" um bode expiatório para a tragédia que aconteceu.

Escusado será lembrar que Eastwood é um digno e inteligente conservador: não se trata de demonizar todo o jornalismo, nem de pôr em causa a legitimidade da lei e da ordem. O que "O Caso de Richard Jewell" encena é a avalanche de peripécias que tende a desvirtuar a própria coerência do todo social, instrumentalizando as suas personagens mais frágeis. Dito de outro modo: estamos perante um requintado exemplo de intransigente realismo — e a sua energia começa em actores como Paul Walter Hauser.

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