Orion Lee e John Magaro em


joao lopes
2 Jul 2021 0:46

EUA, Oregon, 1820: Otis Figowitz (John Magaro), cozinheiro, é uma figura mais ou menos anónima das convulsões de um país em expansão para Oeste; King-Lu (Orion Lee), chinês, fugido a grupo de russos, também ele especialmente dotado para a culinária, faz amizade com Otis; acabam por inventar a receita de um bolo para cuja confecção é essencial o leite que vão roubando a uma vaca de um rico proprietário…

A sinopse poderá fazer pensar numa comédia mais ou menos burlesca, o que, em boa verdade, não será estranho a alguns momentos de "First Cow" (entre nós chamado "A Primeira Vaca da América"). De qualquer modo, a pouco e pouco, vai-se impondo um tom de assombramento trágico — mesmo quando "nada" parece acontecer, há nuvens de ameaça que instalam uma incontornável inquietação…



Estamos, afinal, perante um "western" virado do avesso. Desde logo, porque as noções tradicionais de heroísmo e aventura parecem exteriores a tudo o que aqui acontece. Depois, porque o próprio conceito clássico de protagonismo está posto em causa — dir-se-ia que "First Cow" é uma ode a todas as personagens esquecidas da mitologia do Oeste, como se se tratasse de refazer a própria memória do Oeste segundo Hollywood.

Nada que seja estranho, afinal, à lógica da obra da realizadora Kelly Reichardt, inclusive no domínio do "western" — recordemos o seu "Meek’s Cutoff/O Atalho", também um objecto estranho cuja sedução nascia da singularidade histórica e simbólica das suas personagens. É bem verdade que, como muitos filmes contemporâneos "de tese", "First Cow" nasce de um determinismo ideológico instalado desde a cena de abertura; mas não é menos verdade que, em tempo de super-heróis, é simpático que alguém nos venha libertar dos esterótipos correntes da aventura.

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