Mariana Di Girolamo e Gael García Bernal — magníficas interpretações sob a direcção de Pablo Larraín


joao lopes
21 Jun 2020 17:49

Em primeiro lugar nas salas (cinema Trindade, Porto), depois nas plataformas de aluguer (a partir de 28 de Junho), "Ema", do chileno Pablo Larraín, é um dos grandes acontecimentos desta espécie de "rentrée" cinematográfica imposta pelo COVID-19, confinamento e desconfinamento.

O seu fascínio é tanto maior quanto nos ensina que os grandes autores não se encerram, nem deixam encerrar, numa matriz temática ou num sistema narrativa que poderíamos "confirmar" de filme para filme. Larraín, lembremos, é autor de alguns títulos marcantes sobre a ditadura de Augusto Pinochet (exemplo: "Post Mortem", 2010), mas também de um admirável retrato intimista de Jacqueline Kennedy ("Jackie", 2016), sem esquecer a sua incursão pelos fantasmas muito reais da Igreja Católica ("O Clube", 2015).
Subitamente, com "Ema", Larraín propõe-nos um incursão num universo cujo dramatismo se cruza com a percepção de novas formas de (des)organização da vida familiar. Esta é a história de Ema e Gastón — Mariana Di Girolamo e Gael García Bernal, magníficos —, enfrentando o falhanço da sua adopção de uma criança… Ambos trabalhando na arte da dança, dir-se-ia que tudo aquilo que vivem se define a partir de um perverso cruzamento de naturalidade e artifício, espontaneidade e encenação, amores e desamores.

Se podemos começar por supor que o filme mais não procura do que um inventário de sinais típicos de uma qualquer "crónica social", cedo percebemos que Larraín aponta a sua narrativa para a exposição de tudo aquilo que faz de cada personagem uma entidade em chamas — entre o que possuem e o que desejam, entre a ilusão de qualquer posse e a ambivalência de qualquer desejo.
E atenção: a metáfora do fogo não é uma invenção deste texto, antes uma via de figuração e uma sugestão de leitura que Larraín coloca, metodicamente, em cena. "Ema" é um desses filmes que nos ajuda a lidar com as evidências dos seres, e também com os possíveis equívocos que delas podem nascer. Para celebrar o regresso às salas escuras, não poderia haver melhor.

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