António Júlio Duarte em


joao lopes
17 Set 2018 2:47

Como falar do Portugal contemporâneo? Ou melhor: como filmá-lo?


Digamos, para simplificar, que "Mariphasa", de Sandro Aguilar, é (mais) um filme que tenta enfrentar tal questão. E com uma determinação primordial cujo valor importa não escamotear. A saber: trata-se de começar por rejeitar o esquematismo dramático e o moralismo social que, todos os dias, é instilado nas nossas vidas pelas narrativas telenovelescas.

Quem vive
, então, em "Mariphasa"? Seres à deriva, assombrados pelo negrume de um complexo industrial desactivado, servidos por actores que sabem estabelecer uma relação forte com a câmara — como António Júlio Duarte, Albano Jerónimo, Isabel Abreu ou Gonçalo Waddington.
Dir-se-ia que o filme sente que o seu cenário é de tal forma poderoso e perturbante que descura a própria definição das personagens. Como se "Mariphasa" fosse conduzido por um olhar que não reconhece outra dimensão aos seres humanos, a não ser a que resulta da sua tensão com os espaços em volta.
É, por certo, uma via discutível — ou que, em qualquer caso, gera resistência no espectador. Mas é também uma via que reflecte a metodologia obsessiva de um universo que trabalha as imagens (e os sons) como sinais enigmáticos de uma existência enredada na sua vulnerabilidade, mesmo quando essa vulnerabilidade se exprime através de cruéis formas de violência.
Enfim, na sua nostalgia romântica (mariphasa é o nome de um planta mitológica do Tibete, promessa de felicidade sem fim), este é um filme que não quer voltar costas a uma teia de solidões em que, apesar de tudo, por empatia ou revolta, nos reconhecemos — cinema do ser ou não ser português.

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