Kristin Scott Thomas dirigida por Sally Potter — um filme saborosamente fora de moda


joao lopes
4 Nov 2017 22:50

Em "A Festa", Kristin Scott Thomas, actriz de uma versatilidade tecida de delicada contenção, surge a interpretar Janet, uma futura ministra da saúde. Mas a acção nada tem a ver com os cenários do seu trabalho político. Estamos, afinal, perante os dados tradicionais daquilo que parece uma não menos tradicional "comédia de costumes": Janet convida alguns amigos — serão apenas sete personagens naquelas duas ou três divisões — para celebrar a sua promoção ao novo cargo.

O menos que se pode dizer é que o filme dirigido pela britânica Sally Potter (famosa pelo seu "Orlando", de 1992, segundo Virginia Woolf) conta com um elenco de gente de sofisticado talento, cada um deles sabendo compor a respectiva personagem como espelho da mais velha, e indomável, fraqueza humana: a de mascarar a verdade mais funda de cada identidade — além de Kristin Scott Thomas, o filme inclui Timothy Spall, Patricia Clarkson, Bruno Ganz, Cherry Jones, Emily Mortimer e Cillian Murphy.


Importa não revelar ao leitor/espectador o enigma que assombra o filme — há nele qualquer coisa de irónico e terrível, dir-se-ia à maneira clássica de Agatha Christie. Sublinhemos apenas que a celebração está longe de decorrer como previsto. Em breves minutos (até porque o filme é exemplarmente sintético: 71 minutos), aquele colectivo vai ser atingido pelo não-dito das suas relações, num processo de desnudamento moral que Potter filma com implacável precisão clínica.

Eis um filme atípico, fora de moda e precioso: um filme que acredita que as personagens nascem através dos corpos dos actores, não pela banal acumulação de efeitos digitais e bandas sonoras mais ou menos ruidosas… Fotografado num admirável preto e branco pelo mestre russo Aleksei Rodionov, "A Festa" é um dos mais vulneráveis produtos comerciais que, nos últimos meses, chegaram às salas portuguesas — e também um dos mais brilhantes.

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