Hailey Wist e Oakes Fegley — contemplando as maravilhas da pintura holandesa do século XVII


joao lopes
13 Set 2019 20:41

Tudo começa quando o jovem Theo (Oakes Fegley) visita uma exposição de pintura holandesa em Nova Iorque, acompanhado pela mãe (Hailey Wist); no momento em que estão a admirar a obra-prima de Carel Fabritius (1622-1654), "O Pintassilgo", uma bomba provoca uma explosão em que a mãe morre…

Dito de outro modo: a partir desse momento, Theo (mais tarde interpretado por Ansel Elgort) vive uma existência em que o quadro de Fabritius o vai acompanhar, literal e simbolicamente, por assim dizer definindo os limites, e também as utopias, de todas as suas experiências.
Ou ainda: estamos perante uma brilhante transfiguração cinematográfica do belíssimo romance de Donna Tartt (Prémio Pulitzer de ficção em 2014), dele conservando, antes de tudo o mais, essa dimensão de saga intimista que, não por acaso, foi várias aproximada da herança de escrita de Charles Dickens (1812-1870).
O que assim descobrimos é algo de precioso. Na verdade, a adaptação de Peter Straughan e a realização de John Crowley relançam, com serenidade e talento, os elementos de um cinema de imaculado classicismo em que o valor central não é a "peripécia", o "pitoresco" ou o "efeito especial", mas algo de mais radical, e também mais humano. A saber: a personagem.
Daí que este seja também um cinema que sabe valorizar o trabalho dos actores, não os intrumentalizando, antes sabendo fazer passar pelo seu ser & estar as componentes decisivas de uma história que, a pouco e pouco, adquire esse misto de densidade e ligeireza que define um conto filosófico. Ou ainda: o que significa pertencer a um grupo, eventualmente a uma família? Mais do que isso: como é que a nossa relação com a arte se enreda com a construção da nossa identidade?
Para além de Fegley e Elgort, ambos magníficos (e capazes de gerar no ecrã um espantoso sentido de continuidade), refira-se a qualidade global de um elenco em que encontramos também, por exemplo, Sarah Paulson, Jeffrey Wright e Nicole Kidman. Decididamente, entre livros e filmes, a paixão da narrativa, da sublime arte de narrar, persiste — e resiste.

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