Bradley Cooper e Sienna Miller: dois actores admiráveis sob a direcção de Clint Eastwood


joao lopes
22 Jan 2015 14:19

A eventual aproximação de "Sniper Americano" ("American Sniper") a partir dos códigos do clássico filme de guerra pode, creio eu, afastar-nos do próprio filme. E não apenas porque o conflito figurado — a guerra do Iraque — é bem diferente daquele (Segunda Guerra Mundial) que sustentou as matrizes tradicionais do género, mas também porque a abordagem de Clint Eastwood se fundamenta num elaborado, conciso e detalhado processo de interiorização.

Nesta perspectiva, fará sentido aproximar o tratamento da personagem de Chris Kyle de outras figuras que povoam o universo de Eastwood. Penso, por exemplo, no cowboy cansado (e teatralizado) de "Bronco Billy" (1980), ou ainda nos militares japoneses com que deparamos em "Cartas de Iwo Jima" (2006) — o que os distingue não é tanto o seu apagamento identitário numa noção nacional ou mítica de heroísmo, antes a nitidez de uma irredutibilidade individual que nenhum enquadramento ideológico ou simbólico consegue rasurar.
Dito de outro modo: "Sniper Americano" é um objecto de transcendente intimismo, colocando em cena a tensão permanente, sem dúvida irresolúvel, que nasce da função militar de Kyle (inscrito na história do exército dos EUA como o seu mais letal "sniper") face às componentes familiares e, em particular, conjugais da sua história pessoal.
Daí o sentimento de que vemos um filme em que vemos aquilo que Kyle vê, ou consegue imaginar (repare-se na assombrosa cena do telefonema com a mulher, quando esta acaba de sair de uma consulta no hospital). Daí também a lógica eminentemente subjectiva da mise en scène de Eastwood, colando-se ao corpo e aos gestos de Kyle como se com ele estivesse a viver uma reportagem de vida ou de morte — de vida e de morte.
Estamos, assim, perante um filme que, apesar (ou melhor, através) da sua impressionante sofisticação técnica, define como prioridade absoluta as intensidades do trabalho dos seus actores. E se Bradley Cooper é um prodígio de transfiguração física e emocional, que dizer da sublime Siena Miller no papel de Taya, sua mulher? Em boa verdade, já vimos actrizes (cujo talento não está em causa) ganharem Oscars por muitíssimo menos — em todo o caso, Miller não consta nas nomeações.

+ críticas