Rüdiger Vogler e Yella Rottländer filmados por Wenders: para além das tradicionais relações familiares


joao lopes
18 Mar 2017 18:00

Prosseguem as reposições de filmes de Wim Wenders, agora com um título que pode muito bem surpreender os espectadores que construíram a sua imagem do autor de "Paris, Texas" (1984) a partir dos seus trabalhos em língua inglesa — embora fascinado pela América (e com a sua acção a ter um arranque decisivo em Nova Iorque), "Alice nas Cidades" (1974) é, de facto, um momento fulcral do período alemão do seu autor, iniciando uma trilogia de "road movies" que viria a integrar "Movimento em Falso" (1975) e "Ao Correr do Tempo" (1976).

Para o próprio Wenders, este foi mesmo um filme decisivo para estabelecer três matrizes que a sua obra posterior veio a integrar através de brilhantes variações:

1 — o espírito "on the road", justamente, celebrando a viagem como processo de descoberta, revelação e auto-revelação;
2 — a relação com a geografia e a cultura made in USA como modelo criativo e filosofia existencial;
3 — a dinâmica das gerações "pais/filhos", percorrendo os sobressaltos de uma dinâmica familiar de peculiar simbolismo.




O par central de "Alice nas Cidades" constitui uma dessas alianças familiares que está para além dos laços sanguíneos: esta é a história do jornalista alemão Phillip Winter (Rüdiger Vogler) que anda a tentar escrever, sem grande sucesso, uma reportagem sobre a América; de forma inesperada e insólita, aceita tomar conta da pequena Alice (Yella Rottländer), devendo viajar de Nova Iorque para Amsterdão, de modo a que ela possa reencontrar a mãe (Lisa Kreuzer)…

As coisas não decorrem como previsto e aquilo que parecia uma banal crónica de usos e costumes vai-se transfigurando numa delicada deambulação de mútua descoberta, num mundo (já) saturado de imagens em que o calor humano não é um valor muito forte. A esse propósito, observe-se a importâncias das fotografias Polaroid no processo de conhecimento e aproximação de Phillip e Alice — para Wenders, as imagens podem ser uma matéria fundamental, concreta e abstracta, das relações humanas.

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