Sabine Azéma, Pierre Arditi e Alain Resnais — a meio caminho entre o teatro e a vida


joao lopes
10 Out 2014 0:31

Não poupemos as palavras: o lançamento simultâneo dos dois títulos finais de Alain Resnais — "Vocês Ainda Não Viram Nada" (2012) e "Amar, Beber e Cantar" (2014) — é um dos acontecimentos fulcrais deste ano cinematográfico. E também uma oportunidade muito especial para reavaliarmos o génio cinematográfico de Resnais a trabalhar com o… teatro!

No primeiro caso, "Vocês Ainda Não Viram Nada", o ponto de partida está em duas peças de Jean Anouilh ("Eurídice" e "Cher Antoine ou l’Amour Raté"), com um twist desconcertante: a personagem central, um encenador interpretado por Denis Podalydès, deixou um registo filmado de uma encenação sua (precisamente de "Eurídice") para ser visto e avaliado depois da sua morte por um grupo de actores que com ele colaboraram ao longo dos anos.
Desse evento pré-programado — vemos os actores sentados em frente do ecrã, um pouco como se nos víssemos num espelho que coincide com o ecrã — nasce um jogo de perversas diferenças e coincidências: Resnais filma, afinal, as contaminações entre o teatro e a vida, de acordo com uma lógica inventiva que pode pôr em causa as próprias relações entre actor e personagem. De tal modo que as personagens se chamam Sabine Azéma, Pierre Arditi, Mathieu Amalric, Lambert Wilson, Michel Piccoli…

Raras vezes se viu um cineasta ao mesmo tempo tão ágil neste equilíbrio instável verdade/artifício e tão inteligente no desafio aos limites tradicionais da ficção cinematográfica. Em última instância, "Vocês Ainda Não Viram Nada" é uma brincadeira com a teatralidade da vida, quer dizer, um exercício de puríssimo cinema.

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