Benoît Jacquot e Catherine Deneuve: rodagem de


joao lopes
26 Dez 2014 0:37

Não é todos os dias que vemos nomes como Benoît Poelvoorde, Chiara Mastroianni, Charlotte Gainsbourg ou Catherine Deneuve, não apenas a mostrar todas as subtilezas do seu talento, mas também a "encaixar" de forma tão perfeita num modelo tradicional de drama passional.

Aliás, tradicional até certo ponto, uma vez que, como o próprio realizador, Benoît Jacquot, várias vezes declarou (nomeadamente quando esteve no recente Lisbon & Estoril Film Festival), tudo começou com a vontade de encenar Poelvoorde, actor sobretudo popular pelos seus filmes cómicos (p. ex.: "Nada a Declarar", de e com Dany Boon), agora num registo à beira da tragédia.

Poelvoorde interpreta um inspector de finanças que se envolve numa bizarro triângulo amoroso: casa-se com uma mulher (Mastroianni) sem inicialmente saber que ela é irmã de uma outra mulher (Gainsbourg) com quem teve um (des)encontro amoroso… Daí o tom bizarro, de cruel ironia, das suas atribulações: por um lado, vive em função de um violento impulso afectivo; por outro lado, faz esforços imensos para manter as aparências familiares e sociais.
Provavelmente, nas mãos de um cineasta vulgar, estaríamos perante uma espécie de vaudeville simplista, recheado de "surpresas" mais ou menos aparatosas. O certo é que Jacquot, fiel ao seu gosto pela exploração das zonas mais recônditas do comportamento humano, faz um filme enraizado numa elaborada arquitectura dramática, alheia a maniqueísmos morais ou sociais.
Depois de "Adeus, Minha Rainha" (2012), um filme também de muitas e inusitadas intensidades emocionais, embora em registo de "reconstituição" histórica, "Três Corações" confirma a agilidade de Jacquot como um criador que, afinal, trabalha sobre uma riquíssima herança a que pertencem autores como Max Ophüls (1902-1957) ou François Truffaut (1932-1984). Neste cinema de verdade e aparências, cada personagem é confrontada com o peso das mentiras que transporta.

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