O tempo e as suas durações —


joao lopes
20 Jun 2015 1:00

E se o cinema fosse, no essencial, uma arte de conhecer os outros, para lá de todas as diferenças, ou melhor, através de todas as diferenças? Por vezes, há filmes capazes de nos devolver a essa sensação primordial: através deles, das suas histórias e personagens, descobrimos mundos que estão para além das evidências do nosso mundo. "Cães Errantes", de Tsai Ming-liang, é um desses filmes: o retrato íntimo de um pai, com os seus dois filhos, tentando sobreviver nas margens da sociedade de Taiwan, mais concretamente em zonas degradadas da cidade de Taipei.

Vale a pena lembrar que Tsai Ming-liang é um nome fulcral na história da produção de Taiwan ao longo do último quarto de século, autor de títulos como "O Rio" (1997), "Adeus, Dragon Inn" (2003) ou "O Sabor da Melancia" (2005). E se é verdade que há no seu trabalho uma atenção constante aos que lutam por vencer as barreiras da pobreza, não é menos verdade que a sua obra está longe de poder reduzir-se a um convencional testemunho "social".




"Cães Errantes" (distinguido com um Grande Prémio especial do júri, em Veneza/2013) pode ser uma excelente porta de entrada neste universo paradoxal, por assim dizer, entre o realismo mais cru e um onirismo sempre à beira do pesadelo. Filmando quase sempre através de planos de longuíssima (e fascinante) duração, Tsai Ming-liang apresenta-se, afinal, como um mestre do tempo e suas durações, num exercício em que a observação do real se torna inseparável de um verdadeiro tour de force dos actores.
No limite, aquilo que Tsai Ming-liang propõe é a participação cognitiva e sensorial numa experiência em que o cinema, reproduzindo o mundo, nos devolve também as suas zonas de opacidade e irracionalidade. Ou ainda: faz-nos falta um cinema que nos recorde que a arte de contar histórias através de imagens e sons não tem que obedecer a padrões "espectaculares" universais — "Cães Errantes" é um objecto que nos convoca, assim, para a singular energia de novas linguagens.

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