John Lloyd Young no papel de Frankie Valli: para redescobrir a pulsação dos anos 60


joao lopes
18 Set 2014 0:29

Face ao novo filme de Clint Eastwood, "Jersey Boys", nem que seja por simples curiosidade, talvez seja inevitável formular a pergunta: "Porquê, agora, um filme musical?" Podemos avançar com a resposta que o próprio Eastwood já deu em diversos contextos: "Jersey Boys" não é um filme musical.

Nada a ver, de facto, com a tradição (riquíssima, convém lembrar) que passa por "Serenata à Chuva" (1952) e "Brigadoon" (1954), desembocando nesse momento terminal que é "West Side Story" (1961). "Jersey Boys" é um filme com música, quer dizer, uma narrativa em que as matérias musicais — e, mais especificamente, as canções — surgem, não para criar "números" mais ou menos autónomos, mas como elementos interiores à própria acção.
O que está em jogo é a saga agitada dos Four Seasons, grupo que, em particular na década de 60, funcionou como uma espécie de alternativa "clássica" à emergência de bandas como os Beatles e os Rolling Stones. E, sobretudo, à consolidação de uma cultura juvenil rock’n’roll — eis o registo de um medley dos Four Seasons, num programa televisivo de meados dos anos 60.

Ao inspirar-se no espectáculo musical (homónimo) da Broadway, Eastwood não procura estabelecer imagens mais ou menos pitorescas, banalmente nostálgicas, de figuras como o lendário Frankie Valli (John Lloyd Young), com a sua voz de falsetto, ou Bob Gaudio (Erich Bergen) e Bob Crewe (Mike Doyle), dupla que compôs alguns dos temas mais célebres dos Four Seasons. Nada disso: "Jersey Boys" é, de uma só vez, uma viagem pela vida íntima das canções e um fresco histórico.
Daí que tenham cabimento no filme questões transversais como a alteração dos valores morais da época, em particular nas relações masculino/feminino, a par da coexistência não muito transparente entre personalidades da cena musical e figuras do crime organizado como o "padrinho" Gyp DeCarlo (Christopher Walken). Tudo isso filmado com a precisão, tecida de transparência e elegância, de alguém que, mais do que nunca, se afirma como herdeiro directo de alguns grandes mestres (Minnelli, Cukor, Wilder, etc.) da idade de ouro de Hollywood.

Nesta perspectiva, vale a pena sublinhar, em particular, o modo como Eastwood sabe utilizar o tradicional formato scope (herdeiro directo do clássico CinemaScope, lançado comercialmente em 1953), compondo o espaço como um todo dramático em que, por assim dizer, cada ser humano luta pela afirmação das suas singularidades — em baixo, um clip da cena de gravação de "Walk Like a Man". Em resumo: este é, afinal, um exemplo maior do trabalho de um cineasta que sabe a importância do contexto, tanto quanto respeita o carácter irredutível de cada personagem.

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