Michael Keaton assombrado por


joao lopes
12 Jan 2015 0:48

Não são muitos os filmes que, ao longo da história do cinema, apostaram em construir uma acção cuja duração coincida com o tempo de projecção do próprio filme — obviamente, "A Corda" (1948), de Alfred Hitchcock, surge de imediato como um notável exemplo. No caso de "Birdman", de Alejandro González Iñárritu, passa-se algo de semelhante — assistimos às atribulações de um grupo teatral, liderado pelo actor interpretado por Michael Keaton, preparando a estreia de uma peça baseada num texto de Raymond Carver.

Só que, desta vez, a duração não é linear como era no filme de Hitchcock (em que os cerca de 80 minutos de projecção correspondiam a uma acção dos mesmos 80 minutos). Agora, é verdade que seguimos Keaton numa odisseia que é também um estranho e perturbante processo de revelação e, no limite, de auto-descoberta. Mas acontece também que a transparência da acção se encontra, por assim dizer, "interrompida" pela emergência de factores mais ou menos fantásticos ou oníricos.
Não há, de facto, muitas experiências que, hoje em dia, utilizem os recursos mais sofisticados do cinema para criar uma ambiência deste género: por um lado, Iñárritu parte, como é óbvio, de um misto de paixão e admiração pelo trabalho específico dos actores; por outro lado, o que está em jogo é o modo como esse trabalho funciona como mistura insólita do "viver" e do "representar" — sem esquecer, claro, que o "Birdman" que assombra a personagem central (um super-herói que o actor interpretou em tempos mais gloriosos da sua carreira) faz lembrar o facto de o próprio Keaton ter sido Batman, sob a direcção de Tim Burton (em 1989 e 1992, respectivamente em "Batman" e "Batman Regressa").
"Birdman" consegue uma envolvência muito especial com o espectador porque, em última instância, se trata de um filme primorosamente representado. Para além de Keaton, as participações de Emma Stone, Naomi Watts, Zach Galifianakis e Edward Norton são brilhantes, (re)afirmando as possibilidades de um cinema que, sem qualquer preconceito em relação às suas componentes técnicas, apresenta como valor fundamental a complexidade de cada personagem. Dito de outro modo: a sua humanidade.

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