Ricardo Trêpa assumindo a personagem de Dom Quixote — entre história e mitologia


joao lopes
11 Dez 2014 15:40

Dom Quixote é apenas uma mitologia sonhada? Ou poderá ser uma personagem que, libertando-se das amarras da ficção, nos relança nas atribulações do tempo presente e respectivas memórias?

Encarando estas perguntas com um misto de pedagogia e ironia, Manoel de Oliveira realizou um pequeno e magnífico filme (19 minutos, estreado no Festival de Veneza) em que, não só o cavaleiro de Cervantes (interpretado por Ricardo Trêpa) surge como eco dos dramas da nossa identidade nacional, do nosso ser ou não ser, como se apresenta na companhia de três emblemáticas personagens do nosso património cultural: Luís de Camões (Luís Miguel Cintra), Camilo Castelo Branco (Mário Barroso) e Teixeira de Pascoaes (Diogo Dória).
"O Velho do Restelo" projecta-nos, assim, numa viagem de evocações e interrogações, desastres e glórias que têm como motor a própria personagem identificada no título que, no Canto IV de "Os Lusíadas", questiona a "glória de mandar" dos lusitanos (Oliveira, recorde-se, assinou em 1990 um enorme fresco sobre a história de Portugal, intitulado "Non, ou a Vã Glória de Mandar").
O resultado é uma fascinante teia de palavras e imagens que envolve sempre uma tragédia suspensa, transversal a toda a obra de Oliveira: somos portugueses por imperativo histórico ou através das convulsões do destino? Somos o que somos ou imaginamos ser o que utopicamente seríamos? Além do mais, "O Velho do Restelo" convoca vários momentos da nossa história através de fragmentos da obra do próprio Oliveira ("Non", "Francisca", "O Quinto Império").
Estreado a 11 de Dezembro de 2014 — dia em que Oliveira celebra os seus radiosos 106 anos —, "O Velho do Restelo" é exibido num programa que integra mais três emblemáticas curtas-metragens do realizador:
* "Douro, Faina Fluvial" (1931) — o primeiríssimo filme de Oliveira, um documentário sobre a zona ribeirinha do Porto, sinalizando desde logo o seu admirável gosto experimental e sentido de montagem.
* O Pintor e a Cidade (1956) — Notável experiência com a película a cores (com o próprio Oliveira a assumir as funções de director de fotografia), partindo das aguarelas de António Cruz (1907-1983) para, uma vez mais, celebrar as paisagens do Porto.
* Painéis de São Vicente de Fora – Visão Poética (2010) – os painéis do séc. XV, atribuídos a Nuno Gonçalves, revistos num registo documental & poético em que as figuras ganha, literalmente, vida cinematográfica.

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