Como defender as suas tangerinas?... Ou uma fábula entre a Estónia e a Geórgia


joao lopes
4 Jul 2015 0:48

Dois homens querem garantir que as suas tangerinas serão colhidas no momento certo… Questão aparentemente rotineira e, por assim dizer, meramente agrícola. Acontece que os dois homens são estonianos e o seu pomar fica na Geórgia. Mais do que isso: tudo acontece num momento (1992-93) em que o país está abalado por violentos conflitos internos, desencadeados pelas discordâncias em torno de uma possível independência da região da Abkhazia.

Dir-se-ia que os dois protagonistas do filme "Tangerinas" estão no lugar errado — e na pior das circunstâncias. De tal modo que, depois de a sua propriedade servir de cenário a uma brutal troca de tiros, vão ver a sua casa transformada numa espécie de insólito asilo para dois homens que combatem para facções rivais… De tal modo que se assiste a um verdadeiro teatro político em que a fronteira entre a tolerância e a mútua destruição é mais ténue do que nunca.



Escrito e dirigido por Zaza Urushadze, "Tangerinas" resulta um caso exemplar e, de alguma maneira, didáctico de narrativa histórica. Por um lado, somos confrontados com um realismo descarnado em que a possibilidade de aniquilamento se pressente nos sinais mais discretos; por outro lado, a pouco e pouco, vai-se consolidando uma verdadeira fábula política — trata-se de saber até que ponto o reconhecimento do outro existe (ou não) para afirmar os valores mais básicos da convivência humana e humanista.

Para a história, "Tangerinas" ficou como a primeira produção do cinema da Estónia a obter, no princípio de 2015, uma nomeação para o Oscar de melhor filme estrangeiro. Não ganhou (o polaco "Ida" foi o vencedor), mas é um facto que a sua simples presença nos prémios da Academia de Hollywood lhe conferiu uma merecida dimensão internacional — a sua estreia nas salas portuguesas é também um efeito dessa dimensão.

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