joao lopes
12 Fev 2016 22:57

De que falamos quando falamos de cinema a três dimensões?

Para Edgar Pêra, essa é uma pergunta que está muito para além de qualquer visão "instrumental" dos recursos técnicos. Dito de outro modo: o 3D não é um mero recurso para "aumentar" a profundidade das imagens, antes uma via para questionar as linguagens correntes do cinema e, implicitamente, a tradicional dicotomia documentário/ficção.

O seu novo filme, "Lisbon Revisited", aí está como testemunho exemplar de tal atitude criativa. Partindo da escrita de Fernando Pessoa, o cineasta constrói um retrato da cidade que se confunde com a invenção de um novo sistema de imagens (e sons!). Não se trata de "ilustrar" as palavras de Pessoa, mas de as integrar numa arquitectura narrativa em que somos convidados a repensar a nossa própria relação com a cidade.
Nesta perspectiva, faz sentido destacar dois vectores fundamentais: em primeiro lugar, uma visão dos lugares emblemáticos da cidade, manipulados (no plano gráfico, entenda-se) como elementos de uma nova imagética e um outro imaginário; depois, uma verdadeira recriação dos elementos naturais (árvores, flores, arbustos), por assim dizer libertos de qualquer naturalismo.
Tudo isto, enfim, ligado a um entendimento das três dimensões que está muito para além de qualquer "gadget" espectacular. Não que o cinema de Edgar Pêra seja alheio a um gosto muito especial do espectáculo. O objectivo é transformar a experiência de ser espectador num ritual de superação das próprias ilusões do real — o apelo surreal envolve, paradoxalmente, uma paixão pelo concreto dos objectos e dos lugares.

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