Anatoliy Solonitsyn interpretando Andrei Rublev, pintor de ícones do séc. XV


joao lopes
11 Fev 2016 23:45

As reposições de clássicos continuam a ser uma realidade no mercado cinematográfico português. Afinal de contas, a memória não desapareceu, quer dizer, a consciência de que o cinema tem um tempo próprio que não pode ser rasurado. Agora, o acontecimento chama-se Andrei Tarkovsky — a partir de hoje, a sua obra integral está em reposição em Lisboa e Porto.

Dizer que Andrei Tarkovsky (1932-1986) foi um cineasta marcado pelos impulsos do divino e pelas forças da transcendência é algo de essencial, mas que se arrisca a ser também redutor. Porquê? Porque o seu cinema, desde a biografia poética de "A Infância de Ivan" (1962) até à cenografia ritual do seu trabalho final, "O Sacrifício" (1986), sempre integrou uma paixão obsessiva pela matéria, dir-se-ia um realismo à flor da pele.
"Andrei Rublev" (1966) pode ser uma excelente porta de entrada nesse universo ao mesmo tempo tão transparente e tão enigmático. Trata-se de evocar a vida de um lendário pintor de ícones religiosos, na Rússia do século XV, tendo por pano de fundo uma conjuntura medieval em que as práticas artísticas de Rublev nem sempre são acolhidas de forma tolerante — ele é, afinal, um "retratista" do sagrado que se confronta com as forças muito terrenas dos mais variados poderes políticos [video: momentos da rodagem de "Andrei Rublev"].

Para a nossa contemporaneidade, "Andrei Rublev" é um filme duplamente actual: primeiro, pelo modo como integra elementos realistas que podem ser aproximados de algumas fascinantes experiências recentes (para nos ficarmos pela produção russa, lembremos o caso exemplar de Sergei Loznitsa e, em particular, do seu "No Nevoeiro", de 2012); depois, pela reflexão implícita sobre os poderes da imagem e a sua inserção no espaço mais geral dos valores culturais. 

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