Marine Vacth: de que falamos quando falamos do sexo dos outros?


joao lopes
19 Abr 2014 23:10

Isabelle, a personagem central de "Jovem e Bela", é uma adolescente cuja primeira experiência sexual parece ter-lhe deixado um misto de desilusão e vontade de vingança… Ou talvez algo de completamente oposto.

E se o espectador não sabe muito bem o que lhe está a acontecer, isso decorre, antes do mais, da própria mise en scène de François Ozon — ele filma-a como um ser à deriva, por assim dizer experimentando o próprio poder de sedução que pressente no seu corpo e na sua pose.

Dito de outro modo: depois da sua experiência frustrada, Isabelle entrega-se à prostituição, de acordo com uma lógica fria e maquinal, dir-se-ia experimentando os limites da sua própria mercantilização. Subitamente, o negrume da sua trajectória parece espelhar-se, em perturbante paralelismo, num estranho processo de auto-descoberta.
Haverá ainda outro modo de dizer tudo isto: "Jovem e Bela" é menos uma crónica social (mesmo se é verdade que o filme possui a habitual contundência de observação do universo de Ozon) e mais um conto moral sobre o sexo, oscilando entre a crueza realista e a abstracção filosófica: através da saga de Isabelle, é a própria visão moral do espectador que está em jogo — de que falamos quando falamos de sexo? E, sobretudo: de que falamos quando falamos do sexo dos outros?
"Jovem e Bela" terá sido um dos momentos altos de Cannes/2013, daqueles cujo radicalismo, embora reconhecido, gerou também um bizarro e perturbado silêncio. Até mesmo a revelação da notável Marine Vacth, no papel de Isabelle, terá sido menorizada — seja como for, ela parece possuir, de facto, o talento e o mistério de uma verdadeira star.
Ozon continua a ser, assim, um dos mais versáteis criadores do actual cinema francês. Do melodrama assombrado ("Sob a Areia", 2000) até à comédia burlesca ("Potiche", 2010), passando pelo musical ("8 Mulheres", 2002), o seu universo existe como um permanente jogo de metamorfoses narrativas e emocionais, capaz de integrar as mais diversas linguagens. Há nele, enfim, uma continuada paixão pelas contradições dos desejos humanos.

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