40 anos depois - imagens da RTP nas eleições para a Constituinte

por RTP
As filas intermináveis para votar na primeira eleição democrática DR

Para a posteridade, ficaram imagens e sons das eleições de 1975. A RTP, única televisão então existente, foi a testemunha incontornável da jornada. A título de exemplo, aqui ficam algumas dessas imagens.

Logo desde o recenseamento, se notou um afluxo de pessoas às comissões de recenseamento, disponibilizando-se para fazerem todos os dias longos horários de permanência. E só assim era possível dar vazão ao afluxo que se notava, por outro lado, de pessoas a quererem recensear-se, para poderem votar.

Segundo o presidente da Comissão Nacional de Eleições, Vasco Almeida e Costa, mais tarde ministro da Administração Interna no VI Governo Provisório, o activismo, transversal a todo o leque partidário, mobilizado para as comissões de recenseamento totalizava umas 40.000 pessoas.

De pessoas que acorriam aos postos de recenseamento, a RTP recolheu depoimentos altamente reveladores, como a de uma eleitora que tinha uma convicção formada contra a guerra, mas não sobre os partidos, que "não conhecia", como era de esperar após várias décadas de partido único. A mesma eleitora lembrava-se que sob a ditadura "não podíamos piar" e tinha ouvido dizer muito mal do comunismo, mas recusava-se a pensar alguma coisa sobre o tema, por já ter ouvido tantas mentiras sobre tantos temas.

Com os olhos postos nas eleições, receava-se os efeitos que sobre elas pudessem ter o obscurantismo e o caciquismo com frequência presentes no interior do país. Estas preocupações tiveram também os seus ecos em entrevistas promovidas pela televisão pública, como este, com a participação do historiador Vítor Sá e do arquitecto Pulido Valente.

A RTP emitiu frequentes apelos à participação eleitoral, com imagens que procuravam cativar tanto o eleitorado urbano como o rural, e com um discurso dirigido a um público novato em termos do exercício de direitos cívicos, procurando fornecer as mais elementares explicações sobre o acto eleitoral.
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A campanha pública a favor da participação eleitoral foi apoiada por figuras mediáticas, como o engenheiro agrónomo Sousa Veloso, popular apresentador do programa "TV Rural", que fez perante as câmaras da RTP repetidos apelos ao voto. Sousa Veloso seria a certa altura do processo revolucionário criticado por uma aparente hostilidade à reforma agrária. Mas o seu empenhamento no processo de eleição da Constituinte foi dos mais activos.

Também o conhecido actor José Viana, situado no pólo oposto do espectro partidário e assumidamente ligado ao PCP, interveio em antena para apelar à participaçao eleitoral.

Durante a campanha eleitoral, o ambiente político do país tinha uma eloquente expressão gráfica nas paredes das principais cidades portuguesas, abundantemente cobertas de cartazes e de pinturas murais. Também a esse fenómeno a RTP prestou atenção, com mais de uma reportagem.

As eleições portuguesas suscitaram o interesse de vários órgãos da imprensa estrangeira. A reportagem feita em Lisboa por uma televisão francesa introduz uma nota de humor, dizendo que as assembleias de voto foram praticamente "tomadas de assalto" - assalto benigno, no entanto, porque se tratava apenas de multidões a quererem votar. E destacava as presenças do dirigente comunista Álvaro Cunhal e do dirigente socialista Mário Soares nas filas de espera para a votação.

Mário Soares e Álvaro Cunhal, inquiridos sobre as suas expectativas quanto à votação, recusavam pronunciar-se, sendo essas as primeiras eleições livres do último meio século e não havendo portanto pontos de referência em que pudesse apoiar-se algum prognóstico.###822604822602###
Magalhães Mota, que viria a ser eleito deputado do PPD para a Constituinte, num depoimento em língua francesa, sublinhava a importância das eleições para a política actual daquele momento, e não apenas para a elaboração de uma lei fundamental do novo regime.

O futuro deputado do CDS à Constituinte, Adelino Amaro da Costa, reconhecia que não se notavam sinais de violência física contra o seu partido, mas referia-se vagamente a uma certa violência "psicológica" e também, de forma mais precisa, a um incidente em que um comício do seu partido em Viseu fora interrompido por falta de eletricidade, atribuída a "sabotagem".

A polarização política vivida durante o processo revolucionário, com a memória ainda fresca da tentativa golpista que um mês e meio antes tinha feito correr sangue em Lisboa, permitem entender que tenha havido momentos de tensão na campanha eleitoral e mesmo, ocasionalmente, erupções de alguma violência.

O partido maoista MRPP, dirigido por Arnaldo Matos e integrado por personalidades como Durão Barroso, optou pela palavra de ordem "Boicote activo à farsa eleitoral". Alguns dos seus dirigentes estiveram detidos na altura, sem que essa palavra de ordem tenha sido invocada como motivo da detenção. Em todo o caso, o "boicote activo" passou despercebido no dia da votação e não chegou a constituir verdadeiro factor de violência.

Otelo Saraiva de Carvalho, na altura graduado em general e comandante do COPCON, fez para a RTP um resumo de alguuns incidentes ocorridos em Braga, em Esposende e em Évora. Mas o tom geral da sua apreciação sobre o acto eleitoral era positivo. Em geral, a campanha eleitoral decorreu de forma pacífica. Para trás tinham ficado as tentativas golpistas de 28 de Setembro de 1974 e de 11 de Março de 1975. Mais adiante viriam ainda o Verão quente e o 25 de Novembro. As eleições constituiram um momento de trégua.###823206822608822605###
No Porto, da Ribeira à Afurada, ao abordar trabalhadores entregues aos seus afazeres - lavadeiras, pescadores - a equipa de reportagem da RTP praticamente só encontrou pessoas que já tinham ido votar. Na sua maioria, mostravam-se algo desconcertadas perante a pergunta sobre o que é uma Constituinte e, mesmo sabendo responder-lhe, justificavam a importância da eleição como forma de escolher um novo governo.

Numa capital de distrito como Aveiro, que não constituía baluarte especialmente dinâmico do processo revolucionário, as vozes recolhidas à boca das urnas por uma equipa de reportagem da RTP reflectiam não só a grande participação eleitoral, mas também a atenção prestada à campanha por pessoas de classes diversas e de idades diversas: tempos de antena, propaganda escrita, comícios, tudo tinha sido objecto de um olhar atento.









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