Editora Analog Africa lança compilação em torno do "som cósmico" de Cabo Verde

por Lusa

Redação, 31 mai (Lusa) - A editora alemã Analog Africa lançou uma compilação em torno do "som cósmico" de Cabo Verde, recorrendo à ajuda do duo lisboeta Celeste/Mariposa, que selecionou discos que há uns anos atrás eram deitados ao lixo, em Portugal.

Em 2013, a editora alemã recebeu uma seleção de músicas cabo-verdianas da coleção do duo de DJ Celeste/Mariposa, sediado em Lisboa. Da seleção feita, cinco músicas despertaram o interesse de Samy Ben Redjeb, pela forma como "o sintetizador fluía" em canções "mestiças", numa "mistura entre África e o Caribe", disse à agência Lusa o dono da Analog Africa.

Volvidos três anos e muita pesquisa, a compilação "Space Echo - The Mystery Behind the Cosmic Sound of Cabo Verde Finally Revealed!" é lançada com 15 músicas, originalmente editadas em Portugal e Holanda, entre 1977 e 1985.

Para explicar as particularidades das músicas que encontrou, Samy Ben Redjeb aliou "uma história" que ouviu em Cabo Verde de "um barco com muita carga", nomeadamente instrumentos musicais, que terá naufragado em 1968, perto de uma das ilhas, com a sua própria explicação ficcional: o barco tinha caído do céu, contendo "partículas cósmicas".

Segundo essa versão, as crianças que entraram em contacto com os instrumentos musicais terão adquirido "prodigiosas" capacidades para aprender música, entre as quais Paulino Vieira.

O multi-instrumentista de São Nicolau surge na própria capa da compilação com um fato espacial, assumindo-se como o "astronauta" responsável pelo som cósmico do seu país, com oito das 15 músicas presentes a terem sido gravadas com a banda Voz de Cabo Verde, liderada por Paulino Vieira.

"Paulino Vieira sabia tocar quase todos os instrumentos" e "inventou o melhor arranjo de Cabo Verde", recebendo várias vezes, em Portugal, músicos cabo-verdianos emigrados noutros países europeus, que "queriam gravar com ele", salienta Samy Ben Redjeb.

No álbum (com edição em CD e vinil duplo acompanhados de um livro), estão presentes artistas e grupos como António Sanches, José Casimiro, Os Apolos, Américo Brito, Abel Lima ou João Cirilo, num misto de "mornas, coladeiras e funaná", refere o editor tunisino à Lusa.

Samy Ben Redjeb sublinha que, nos anos 1980, com a instabilidade política que se sentia em vários países africanos, "a vida noturna começou a morrer" e muitos dos grupos começaram a "utilizar sintetizadores para fazer a percussão" e a "música perdeu muito do seu poder".

Em Cabo Verde, o sintetizador não foi utilizado "para tocar um outro instrumento, mas para ser um órgão", assumindo a sua própria identidade e "dando um som bem cósmico e psicadélico" à música daquele país insular, constata.

Ao longo de três anos, Samy Ben Redjeb foi a Cabo Verde fazer a sua própria pesquisa, recebeu mais músicas dos Celeste/Mariposa e ainda contou com a ajuda do músico Américo Brito, a residir em Roterdão, na Holanda.

A compilação, que não tem distribuição em Portugal, é mais um passo para mostrar "às pessoas, no hemisfério norte, que música africana não é só tambores". "É música mais sofisticada e moderna do que se pensa", observa o dono da editora, que também já lançou compilações sobre música angolana.

"Teve de vir uma editora alemã falar com dois portugueses para toda a gente olhar para a música de Cabo Verde. Finalmente, estes músicos vão ter a visibilidade que merecem", comenta Wilson Vilares, dos Celeste/Mariposa, que, desde 2009, investigam e divulgam a música de países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP).

"Começámos pela Feira da Ladra e, na altura, os discos custavam um euro ou 50 cêntimos. As pessoas até os deitavam para o lixo", frisa o outro membro da dupla, Francisco Sousa, recordando que Wilson chegou a "tirar discos pregados na parede que hoje valem 300 euros".

A compilação que alimentaram com a sua coleção de discos pode dar a conhecer ao mundo músicos, muitos deles "vivos e saudáveis", aponta, Francisco Sousa.

"O estranho é que a cultura está aqui. Não deveria ser preciso a valorização vir de fora", critica, em declarações à Lusa.

Samy Ben Redjeb vai estar em Portugal, no Festival de Músicas do Mundo de Sines, que decorre de 22 a 30 de julho, onde atua o músico cabo-verdiano Bitori, que também vai ser editado pela Analog Africa.

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