“O futebol deu-me tudo. O cigarro quase me tirou tudo”. Esta é uma das frases mais marcantes de Johan Cruyff que morreu aos 68 anos, vítima de um cancro do pulmão, uma recaída anunciada há cinco meses atrás. Cruyff jurou lutar e vencer mais uma batalha na sua vida mas o futebol chora a sua perda, daquele que é considerado o pai do ‘Futebol Total’.
Nascido em 1947, Hendrik Johannes Cruyff estreou-se muito novo num dos clubes do coração, o Ajax. Com apenas 17 anos, em 1964, Rinus Michel viu muita qualidade num jogador que utilizava, com grande inteligência, a velocidade com que fintava adversários.
Cruyff era um talento natural em campo e levou o clube holandês a um percurso de glória não mais conhecido até aos dias de hoje.
A imposição do Ajax ‘Europeu’
Com tenra idade, Cruyff foi um dos grandes precursores do sucesso europeu do Ajax. A primeira taça ‘orelhuda’ surgiu em 1971, quando o clube holandês derrotou o Panathinaikos por 2-0, numa partida disputada em Wembley. Nos dois anos seguintes, mais duas vitórias para o Ajax, que derrotou o Inter de Milão (1972), com dois golos de Cruyff, e o Juventus (1973), por 1-0.
Na Holanda, o jogador conheceu igualmente sucesso, com uma dezena de títulos conquistados, entre campeonatos e taças do país. Não demorou muito tempo até Cruyff alcançar o estatuto de estrela na Seleção Holandesa, onde foi um dos mais importantes jogadores e capitães da ‘Laranja Mecânica’.
Marca indelével na Catalunha
Mudou-se em 1973 para o FC Barcelona depois de dar nas vistas no Ajax. Se o clube holandês era uma casa para o internacional holandês, mais tarde Cruyff revelaria que o Barcelona era a sua segunda casa.
A primeira época como atleta ‘Blaugrana’ foi de sucesso com a conquista do campeonato espanhol que fugiu desde 1960. O momento mais alto dessa campanha aconteceu no estádio Santiago Bernabéu, em que os catalães golearam o rival Real Madrid por 5-0.
O holandês marcou um golo nessa partida e acabou a temporada com 16 tentos marcados. Até ao fim da sua estadia no Nou Camp, a estrela holandesa ainda venceria uma taça do Rei e sairia para mais tarde voltar e fazer história. No entanto, o local de primazia seria o banco de suplentes, como técnico do FC Barcelona.
Engrenagem da ‘Laranja Mecânica’
Foi com o mítico futebolista, que a Holanda conseguiu uma das suas melhores participações em Mundiais. Foi em 1974, na Alemanha, que nasceu a ‘Laranja Mecânica’, puxada por um Cruyff que fazia da sua velocidade e virtuosismo armas difíceis de parar por parte dos adversários.
A equipa treinada por Rinus Michell chegou à final. Derrotou algumas seleções proeminentes como o Brasil ou a Argentina, chegando à final com a República Federal da Alemanha, seleção de estrelas como Franz Beckenbauer, Gerd Muller, Uli Hoeness, Berti Vogts ou Paul Breitner.
A final foi marcada pela arrancada fantástica do ‘Holandês Voador’ até à área alemã, sofrendo falta aí dentro. Neeskens marcou o primeiro golo da partida. No entanto, golos de Muller e Breitner tiraram o título mundial a Johan Cruyff, capitão e estrela da Holanda.
Para a história ficarão também as três Bolas de Ouro conquistadas em 1971, 1973 e 1974.
O pai do futebol moderno
Quem hoje tem a oportunidade de ver a equipa do Barcelona jogar, não pode esquecer o contributo de Cruyff para o futebol moderno. Não é estranho ouvir Pep Guardiola, considerado o melhor treinador do mundo, dizer que quando a sua equipa guarda a posse de bola, os adversários não podem marcar golos - uma máxima sobejamente conhecida devido à leitura de jogo de Johan Cruyff, verdadeiro percursor do que hoje se conhece como ‘Tiki-Taka’, o futebol total.
Alexandre Santos, João Caldeirinha - RTP
A carreira de treinador começou no Ajax, onde treinou grandes nomes, que sob a sua égide se tornaram também eles lendários pela ‘Laranja Mecânica’: Marco van Basten, Frank Rijkaard, Ruud Gullit ou Dennis Bergkamp são alguns exemplos.
A Taça das Taças foi conquistada em 1987 pelo clube holandês e o percurso continuou, novamente, na Catalunha. A ideia de jogo implementada na Holanda foi a mesma usada no Nou Camp, com um futebol apoiado na posse de bola e no espetáculo.É da sua autoria a famosa frase: “"Nenhuma equipa corre tão pouco com o Barcelona. Tem sempre a bola. São eles que marcam o ritmo do jogo e decidem onde se jogo. Só há uma bola e quem a tem é que decide."
Cruyff criou uma equipa de sonho (dream team), baseada na ‘cantera’ de La Masia. Zubizarreta, Ferrer, Guardiola ou grandes estrelas como Ronald Koeman, Stoichkov e Michael Laudrup. Venceu quatro campeonatos consecutivos e levou o FC Barcelona à glória europeia, quando venceu a Taça dos Campeões Europeus em 1992, frente à Sampdoria.
Depois dos catalães, não mais Johan Cruyff voltaria a treinar. Ficou conhecido como um génio futebolístico, criador do ‘futebol total’. Anos depois seria sucedido por Guardiola que criou, também ele, uma das melhores equipas do FC Barcelona de sempre.
O futebol chora a morte de um dos ‘melhores’Após ser anunciada a morte de Johan Cruyff, foram inúmeras as figuras do futebol que se despediram daquele que dizem unanimemente ser um dos melhores de sempre.
Maradona, Joseph Blatter, Michel Platini, Luís Figo falaram de um dos maiores vultos do futebol e do seu desaparecimento. Sporting e Benfica falaram num ‘Príncipe’ e ‘lenda imortal’ e o FC Barcelona disse adeus ao treinador do ‘melhor Barcelona da história’.
“A qualidade sem resultados, é inútil. Os resultados sem qualidade são chatos”, Johan Cruyff.