Durão Barroso teve reunião discreta com Goldman Sachs quando liderava a Comissão Europeia

por RTP
Uma carta datada de dia 30 de setembro de 2013 revela que Durão Barroso se reuniu com dirigentes do banco de investimento Sebastien Pirlet - Reuters

O jornal Público revela na edição deste sábado um conjunto de reuniões e documentos enviados pelo Goldman Sachs a Durão Barroso quando este ainda era Presidente da Comissão Europeia. Há missivas em que o polémico banco sugere alterações de políticas na União Europeia e pelo menos um encontro que não foi incluído na agenda do então chefe do executivo comunitário.

Ao todo, o jornal Público teve acesso a 11 documentos relativos à relação entre o ex-primeiro-ministro português e o Goldman Sachs.

Uma carta datada de dia 30 de setembro de 2013 revela que Durão Barroso se reuniu com dirigentes do banco de investimento, apesar de não haver qualquer ata desse encontro nos arquivos da comissão. A missiva é assinada pelo próprio Lloyd Blankfein, presidente executivo do Goldman Sachs.

“Muito obrigado por ter conseguido roubar tempo à sua agenda para vir ao Goldman Sachs. Gostei muito da nossa discussão produtiva sobre as perspetivas económicas”, escreve Blankfein na carta citada pelo Público. O banqueiro afirma ainda que os “senior partners” do Goldman Sachs consideraram a “sessão extremamente enriquecedora”.
Outros encontros
Poucos meses antes desta missiva, a 10 de julho de 2013, o CEO do Goldman Sachs tinha já convidado Durão Barroso para jantar à margem do encontro anual do Fundo Monetário Internacional em Washington. Lloyd Blankfein pede um encontro separado entre os dois.Ambos os encontros realizaram-se vários anos depois de ter sido conhecido o envolvimento do Goldman Sachs na crise financeira e na ocultação de dívida grega.

Já em janeiro de 2014, é Durão Barroso quem convida o número dois do Goldman Sachs para um pequeno-almoço à margem do encontro anual do Fórum Económico Mundial em Davos.

A proposta, revela fonte próxima de Barroso ao Público, terá sido também dirigida a representantes de outras empresas.

Ambos os encontros realizaram-se vários anos depois de ter sido conhecido o envolvimento do Goldman Sachs na crise financeira internacional.

O banco contribuiu, nomeadamente, para a ocultação de dívida grega, tendo ainda criado produtos financeiros que contribuíram para pressionar as contas dos países do sul da Europa.
Nega relação especial
Os documentos a que o Público teve acesso revelam que foram vários os encontros entre a equipa de Durão e dirigentes do banco norte-americano. O jornal recorda ainda que esta lista não é exaustiva, uma vez que só a partir do fim de 2014 é que Bruxelas passou a publicitar todos os encontros de comissários com representantes de instituições e interesses privados.

O periódico português exemplifica ainda com o primeiro e-mail a que teve acesso, no qual uma funcionária pergunta se um pedido de reunião de Hank Paulson, na altura presidente executivo do Goldman Sachs, deve ser registado e incluído no arquivo. A pergunta é depois remetida para um superior hierárquico, com a indicação de que o conselheiro de Durão Barroso é “desfavorável” ao arquivamento.

Em resposta ao jornal, Durão recorda que foi presidente da Comissão durante “uma das maiores crises financeiras” da história. “Naturalmente, mantive contactos institucionais – transparentes e convenientemente registados nos arquivos da Comissão”, afirma.

O social-democrata nega ainda qualquer “relação privilegiada” com o Goldman ou outra entidade financeira durante os seus mandatos em Bruxelas. Durão aponta ainda que a sua atividade não se ligava apenas à área financeira, mencionando contactos com líderes mundiais, associações empresariais e organizações sindicais.

“Estes contactos, que parecem não suscitar o mesmo interesse mediático, foram com certeza muito mais frequentes do que aqueles que a Comissão e eu próprio tivemos com entidades financeiras em geral”, defende-se
"Encantado" com Barroso
Os documentos a que o diário português teve acesso mostram ainda que o banco de investimento norte-americano acompanhava de perto a atividade do executivo comunitário. Logo em 2005, uma dirigente do Goldman Sachs, Lisa Rabbe, revela em carta que o banco está “encantado” com algumas políticas do “presidente Barroso” e pronto para ajudar.

Em junho de 2008, a mesma dirigente do Goldman sugere um encontro entre a Comissão e um representante do banco para falar de assuntos como as “restrições nas políticas de livre circulação de capitais, trabalho e tecnologia” que estariam a “limitar o crescimento da oferta”.

Já antes, através de lobistas registados, o Goldman Sachs fizera sugestões. Em 2005, a representante de interesses do Goldman Sachs Jenny Cosco, que o Público diz ter tido acesso direto ao gabinete de Barroso, enviou um relatório com sugestões sobre a legislação em matéria financeira.Logo em 2005, uma dirigente do Goldman Sachs revelava em carta que o banco estava “encantado” com algumas políticas do “presidente Barroso” e pronto para ajudar.

Jenny Cosco enviou ainda posições tornadas públicas por associações que agrupam interesses do setor financeiro sobre produtos derivados como os swaps.

Em resposta, um funcionário da equipa de Barroso afirmava que as posições seriam lidas “com grande interesse”.

A última carta a que o Público teve acesso data de janeiro de 2014, quando Durão Barroso convidou o número dois do Goldman Sachs para um pequeno-almoço em Davos. Uma proposta que terá também sido enviada a outras empresas.
"Representante de interesses"
Durão Barroso acabaria por sair da Comissão Europeia em outubro de 2014, sendo substituído por Jean-Claude Juncker. Em julho, foi tornado público que o ex-primeiro-ministro seria presidente não-executivo do Goldman Sachs Internacional, com o dossier da saída britânica da União Europeia.

Uma decisão que tem motivado críticas de líderes europeus e da própria Comissão Europeia. Jean-Claude Juncker já anunciou que Durão Barroso deixará de ser recebido como ex-presidente, passando a ser um “representante de interesses”.

Ainda esta sexta-feira, o ex-presidente do executivo comunitário disse estar a ser penalizado, não se mostrando arrependido por ter ido para o banco norte-americano. Durão sublinhou que foi trabalhar para uma empresa legal e não para “um cartel de droga”.
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