Governo e esquerda à procura do consenso que faça aprovar o Orçamento

por Christopher Marques - RTP
O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, e Mário Centeno receberam esta quarta-feira os partidos políticos. António Cotrim - Lusa

A missão não se apresenta fácil. Uma vez mais, o Governo de António Costa tenta conciliar as metas ditadas por Bruxelas com os objetivos do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista Português. A poucas horas de dar entrada em São Bento, o executivo e os partidos que apoiam o OE2017 tentam chegar a consenso. Impossível parece ser convencer a direita dos eventuais benefícios das mudanças fiscais.

Está nas mãos da esquerda a aprovação do Orçamento do Estado para 2017. A poucas horas da apresentação do documento na Assembleia da República, ainda nem tudo está definido. O fim – imediato ou gradual – da sobretaxa de IRS e o aumento das pensões permanecem como temas ainda sem acordo.

Tudo indica que se acabará por chegar a esse acordo. Um objetivo que parece inconciliável no CDS-PP e PSD. Os partidos que deram apoio aos governos de Paulo Portas e Pedro Passos Coelho avisam que Mário Centeno e António Costa pretendem aumentar impostos e, ao contrário do que foi prometido, manter a austeridade.

Reportagem de Sérgio Vicente, Carlos Oliveira e António Nunes - RTP

As opiniões de sociais-democratas e centristas divergem das garantias dadas pelo Governo. Depois de ter apresentado as linhas do Orçamento aos partidos, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares frisou que, “pela segunda vez, a carga fiscal vai baixar”.

Pedro Nuno Santos aproveitou ainda para responder à direita: “De aumentos brutais de impostos percebem alguns partidos da oposição, não este Governo”.
Conversações em curso

Não é, no entanto, para a troca de argumentos entre direita e esquerda que as atenções estão viradas. A horas da entrega do Orçamento de 2017, interessa perceber a que consenso conseguirão chegar os socialistas com comunistas, ecologistas e bloquistas.

“Há um trabalho em curso que está a correr bem. Mais uma vez os quatro partidos que sustentam maioritariamente este Governo estão a trabalhar de forma séria, cuidada, exigente, para que consigamos ter um Orçamento aprovado por uma maioria parlamentar”, garantiu Pedro Nuno Santos.

O responsável do Governo pelo diálogo com a esquerda parlamentar não esconde que há “diferenças em várias matérias”, mas sublinha que há um trabalho desenvolvido “de forma coletiva” e onde “todos os dias” há esforços de aproximação entre todos.

“A negociação faz parte desta solução de Governo. Ela é permanente”, sublinha o secretário de Estado.
Negociar em quê? Até onde?
Mais do que as negociações, interessa perceber de que forma estas podem mexer com a carteira dos portugueses. O aumento das pensões apresenta-se como um dos principais pontos de trabalho e onde um acordo parece mais difícil.

A atualização das pensões de acordo com a inflação, como dita a lei, representaria um aumento na despesa de cerca de 111 milhões de euros. No entanto, um aumento calculado de acordo com a taxa de inflação seria muito pouco relevante para as pensões mais baixas.

Bloco de Esquerda e Partido Comunista Português propõem por isso um aumento de 10 euros. Este aumento em todas as pensões implicaria uma saída suplementar de 400 milhões de euros dos cofres públicos.
Aumentar pensões é "fundamental"
O líder parlamentar do Bloco de Esquerda mantém que “a questão relativa ao aumento das pensões é fundamental”. Pedro Filipe Soares afirma também que o Orçamento deve transpor “maior justiça fiscal”.

“O período negocial que temos pela frente será ainda longo, mas, acreditamos nós, positivo para as pessoas”, sublinha o chefe da bancada parlamentar do Bloco de Esquerda.

No fim da reunião com o Governo, também o líder parlamentar do PCP manteve que é necessário operar um aumento real das pensões.

Nas contas globais do Orçamento do Estado, o aumento real das pensões representaria um novo aumento de despesa a acrescentar aos que já estão previstos. O Excel governativo contempla já a reposição dos salários na Função Pública e a redução do encaixe com a sobretaxa de IRS.

Aliás, a sobretaxa tinha morte anunciada para janeiro de 2017. Admite-se agora que o seu fim seja gradual durante o ano, variando de acordo com os rendimentos dos contribuintes. A ideia não parece ser bem aceite por comunistas e bloquistas.

Pedro Filipe Soares explicou que o Bloco não considera necessário “alterar a política fiscal prevista”, numa alusão ao fim da sobretaxa em janeiro. Também a coordenadora do partido, Catarina Martins, recordou que há uma “lei, aprovada na Assembleia da República”, que “diz que a sobretaxa acaba em 2017”.

Por sua vez, o PCP rejeita que o fim gradual da sobretaxa seja a moeda de troca para um aumento real das pensões. “Não há um canal direto que se possa fazer entre uma e outra”, vincou o líder parlamentar João Oliveira.
Direita critica Orçamento
Com ou sem fim da sobretaxa, com ou sem aumento real das pensões, o CDS-PP e o PSD apresentam uma leitura semelhante do Orçamento do próximo ano. No fim da reunião com o Governo, os social-democratas antecipam um documento que será de “aumento de impostos” e que segue a “linha errada” do documento do ano anterior.

Luís Montenegro explicou que o PSD mantém a expectativa de que possa haver medidas de “desagravamento fiscal”, mas que ainda não sabe quais. “Mas já sabemos que vai haver um agravamento fiscal, nomeadamente do lado dos impostos indiretos”, refere o líder parlamentar social-democrata.

O CDS-PP apresenta o mesmo tom de discurso. “Confirma-se que será um Orçamento ainda assim de austeridade”, afirma Nuno Magalhães. Os centristas acusam o executivo de quebrar as promessas eleitorais, referindo que haverá “um aumento de impostos indiretos”.

O partido de Assunção Cristas e a formação de Pedro Passos Coelho criticam ainda os poucos detalhes dados pelo Governo quanto ao cenário macroeconómico. Nuno Magalhães afirma que o Governo confirmou uma revisão das metas, mas que Mário Centeno foi “muito vago nas informações que prestou”.

Segundo o CDS-PP, o Governo não esclareceu se a sobretaxa acabaria já em janeiro, nem quais os impostos indiretos que serão aumentados no próximo ano.

Apesar da falta de respostas, o líder parlamentar do CDS-PP diz que o que foi dito permite antever “um Orçamento de austeridade e um mau Orçamento para os portugueses”.
E o aumento de impostos?
Quais vão aumentar? Quanto vão aumentar? Quem vai pagar? São três perguntas que permanecem sem resposta certa a poucas horas da entrega do Orçamento do Estado no Parlamento.

O CDS-PP fala mesmo em “espécie de concurso de ideias” de aumento de impostos, contrapondo-o com a “espécie de leilão de promessas” de aumento de pensões.

Um dos primeiros impostos a chegar à agenda pública recebeu o nome de Mariana Mortágua, que o anunciou publicamente. Este novo imposto sobre o Património incidirá sobre os contribuintes que tenham um valor patrimonial superior a determinado valor. O número inicialmente avançado eram 500 mil euros.

Esta quarta-feira, o Correio da Manhã avança com valores diferenciados de acordo com o tipo de contribuinte. Um milhão de euros para pessoas casadas ou em união de facto, 500 mil euros para pessoas singulares e 250 mil euros para empresas. O diário refere que será aplicada uma taxa de 0,2 por cento sobre o valor superior ao limite definido e que haverá algumas exceções.

Embora se escuse a responder às questões sobre o Orçamento do Estado, o ministro do Planeamento e das Infraestruturas vai garantindo que o novo imposto está a ser desenhado para não afetar “o essencial do investimento (...) O documento só está fechado quando for entregue”, afirmou Pedro Marques.
Imposto às bebidas
Sobre o aumento de impostos indiretos, o próprio Governo já confirmou que há uma certeza quanto a uma maior carga fiscal sobre as bebidas alcoólicas e o tabaco. O executivo deverá ainda criar um novo imposto a incidir sobre os refrigerantes.

Há ainda a possibilidade de haver um novo agravamento do imposto sobre os combustíveis, que o Executivo tinha já aumentado no ano passado.

O Orçamento do Estado revê ainda as metas económicas para este ano. A RTP apurou que o Governo deverá incluir no documento uma previsão de crescimento de 1,2 por cento para este ano, valor seis décimas abaixo da anterior previsão.

Para 2017, o Governo espera um crescimento de 1,5 por cento, uma revisão em baixa de três décimas face à anterior estimativa. O Executivo prevê chegar ao fim do ano com o défice nos 2,5 por cento, cumprindo a meta de Bruxelas mas ficando acima do valor inscrito no Orçamento de 2016.

Para 2017, o Executivo aponta a um défice de 1,7 ou 1,8 por cento. A cumprirem-se os 2,5 por cento este ano, é uma redução de pelo menos 0,7 pontos percentuais em um ano.
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