Direção socialista admite referendar acordo à esquerda

por Cristina Sambado - RTP
Para terça-feira está marcada uma reunião da Comissão Política Nacional do PS Miguel A. Lopes - Lusa

A direção do PS quer a realização de um referendo interno para dizer sim ou não a um eventual acordo com o Bloco de Esquerda e o PCP. A ideia partiu de Vítor Ramalho, membro da Comissão Política Nacional e apoiante de António Costa nas primárias que levaram o ex-autarca de Lisboa à liderança do partido.

Fonte do PS garantiu ao Diário de Notícias que todos os “militantes serão chamados a dizer sim ou não a um entendimento à esquerda”.

Segundo Vítor Ramalho, “o eleitorado não deu ao PS a possibilidade de governar sozinho e portanto agora a possibilidade do PS, que não ganhou as eleições, vir a liderar um governo apoiado pelo PCP e pelo BE significará uma alteração profunda do compromisso do partido, sendo por isso necessária esta consulta referendária, destinada não apenas a militantes, mas aberta também a simpatizantes”.

O dirigente socialista, amigo muito próximo de Mário Soares, preferia que “o PS se mantivesse na oposição, condicionando profundamente as políticas de um novo executivo Passos-Portas”. No entanto, aceita “todas as decisões que forem tomadas pelos militantes”.

Vítor Ramalho relembra, nas declarações ao Diário de Notícias, que “esta solução referendária não é inédita dentro do PS”.

“Em 1983, o PS liderado por Mário Soares, venceu as legislativas. Depois decidiu fazer uma coligação com o segundo maior partido, o PSD, liderado pelo seu amigo Carlos Mota Pinto. A coligação – conhecida como Bloco Central – foi precedida por um referendo interno no PS. Os militantes aprovaram o acordo”, recordou.
Vozes contra nas redes sociais
Esta consulta interna acabaria por ser também um referendo à liderança de António Costa, numa altura em que se levantam várias vozes a criticar a possibilidade de um entendimento à esquerda. O que levou, inclusivamente, à demissão de Sérgio Sousa Pinto do Secretariado Nacional do PS.

Nos últimos dias têm sido vários os socialistas a manifestarem, nas redes sociais, o seu desagrado com um possível entendimento entre o PS, o BE e o PCP.

No sábado, Sérgio Sousa Pinto, antigo líder da Juventude Socialista, utilizou o Facebook para revelar que se demitia.

"Aparentemente o BE e o PCP estão dispostos a viabilizar um governo do PS, um governo com menos deputados socialistas no Parlamento que a coligação de direita. Mas não estão disponíveis para integrar o governo e partilhar a responsabilidade de governar", frisou num post reservado apenas a amigos, mas que o jornal i publicou.

O deputado acrescenta: "O que se seguiria seria fácil de imaginar. Uns a pensar no país, outros a pensar na sua plateia, outros ainda a pensar em eleições e na maioria absoluta. A esta barafunda suicidária, sem programa nem destino certo, chamar-se-ia "governo de esquerda" - coisa que nem os eleitores do bloco desejaram, optando pelo partido do protesto histriónico (e agora fanfarrão). Um penoso caos que entregaria Portugal à direita por muitos anos. Mas talvez permitisse ao BE suplantar o PS. E não é essa a verdadeira agenda, velha de 40 anos, de quem se reclama 'da verdadeira esquerda'? Talvez me engane".

No domingo, foi a vez de Helena Freitas, uma independente que encabeçou as listas do PS por Coimbra, manifestar a sua indignação na mesma rede social.

“Passos Coelho ganhou as eleições e tem todo o direito a governar. É assim que interpreto a vontade dos portugueses, respeitando a percepção prevalecente na nossa democracia. Sendo verdade que existe uma grande maioria de portugueses contra a coligação (facto que Passos e Portas fingem que não percebem), trata-se de uma 'maioria negativa', como muto bem disse António Costa”, escreveu a futura deputada socialista no seu mural.



Para Helena Freitas, “há um mandato inalienável que resulta destas eleições, e que os portugueses exigem: o tempo dos compromissos. Este mandato é reforçado pela instabilidade da própria situação nacional, e pela fragilidade da conjuntura internacional em que nos encontramos. António Costa compreendeu e assumiu este papel de forma clara. Lamentável tem sido o modo negligente e sobranceiro com que Passos e Portas assumiram este apelo inequívoco que os portugueses expressaram no acto eleitoral”.

Também o ex-deputado socialista João Paulo Pedrosa utilizou a mesma rede social para afirmar : “Se os leitores se derem ao trabalho verificam no site do partido Front National, da Srª Marine Le Penn, que o programa e as causas (com excepção da emigração que cá não temos nos mesmos moldes da França mas que se tivéssemos não seria, provavelmente, diferente) são em tudo muito semelhantes às do PCP, só que para o efeito cá, chamam às ideias de lá, extrema-direita, e a estas, esquerda”.



Num outro post, publicado no sábado, João Paulo Pedrosa elogia a decisão de Sérgio Sousa Pinto, ao escrever: “Em democracias as derrotas e as vitórias são efémeras e a política que a serve deve fazer-se com ideias e com ética, acrescento, agora, e com grande coragem também. O país, a democracia e o socialismo democrático tal como o PS sempre o interpretou têm, a partir de hoje, uma dívida moral para com Sérgio Sousa Pinto. Alguém disse, e isso assenta-lhe como uma luva, só é digno da vida aquele que parte para ela em combate”.



Para terça-feira está marcada uma reunião da Comissão Política Nacional – a segunda reunião deste órgão depois das eleições de 4 de outubro – onde António Costa vai apresentar os resultados das reuniões que manteve nos últimos dias com os partidos com assento parlamentar. A ocasião será também aproveitada por Sérgio Sousa Pinto para esclarecer as razões da sua demissão.
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