O Presidente popular

por António Esteves - RTP
Mário Cruz, Lusa

Muitos anos depois, e a título póstumo, a História deu razão a Emídio Rangel. A televisão que vende sabonetes também consegue eleger presidentes. É redutor atribuir a vitória de Marcelo apenas a questões de visibilidade mediática e de popularidade provocadas pela prédica dominical que durante anos nos animou as noites de domingo, mas o novo Presidente da República é de facto uma vitória dos media e do poder que encerram.

Durante vários anos Marcelo foi desenhando a estratégia para lá chegar, a régua e esquadro. Foi obrigado a rever planos e a mudar a táctica muitas vezes, foi afastando potenciais adversários de forma hábil e muitas vezes assassina e só avançou no último instante, quando tinha a certeza de que António Guterres não estaria na corrida e quando teve a percepção de que poderia vencer, mesmo que no limite. Bastava para isso que não se desgastasse na campanha e conseguisse evitar qualquer incidente ou "marcelada" que lhe desse cabo dos planos.

Eanes e Soares foram presidentes em consequência de Abril, Sampaio foi Presidente da República graças ao aparelho socialista e ao poder conferido pelo trabalho nas autarquias, Cavaco beneficiou do prestígio de dez anos em São Bento, boa parte deles alimentados pelos fundos comunitários. 

Marcelo chega a Belém embalado pela popularidade, pelo populismo e pela sua inteligência, perspicácia e sagacidade, mas também pela sua personalidade algo maquiavélica e manipuladora. Chega a Presidente da República com um modesto percurso político, depois de uma passagem fugaz e sem história pelo governo, de uma derrota autárquica na tentativa de conquistar a maior câmara do país e de um falhanço na liderança do PSD.

O novo Presidente tem agora dois caminhos: ou segue igual ao que tem sido e não consegue despir a pele de grande gestor e criador de factos políticos, e mais tarde ou mais cedo terá e provocará problemas, ou aposta num papel mediador, conciliador e de guardião dos anseios e expectativas do portugueses, acompanhando de perto a actividade governativa sem dar espaço a ambiguidades governamentais, fiscalizando e pressionando António Costa mas sem interferir demasiado na governação. Depois de ter garantido que quer cumprir apenas um mandato falta perceber o que deseja fazer a seguir à passagem por Belém. E isso será determinante na forma como vai exercer o mandato.

Acredito que Marcelo quer ficar para a História mais do que construir a História, e tentará ser sempre o porta-voz da maior parte dos portugueses, dos seus desejos, anseios e preocupações. A forma como vai fazê-lo depende dele, e da forma de ser, mas vai depender muito da equipa de conselheiros que o vai acompanhar. E todos sabemos como as boas ou más companhias são determinantes para o nosso sucesso, pessoal e profissional.
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