Ativista Domingos da Cruz questiona submissão angolana "à vontade de um homem"

por Lusa

O ativista angolano Domingos da Cruz, considerado pelo Tribunal de Luanda como líder de uma associação de malfeitores e em liberdade provisória desde quarta-feira, questiona o facto do povo angolano estar a "submeter-se à vontade de um homem".

O professor universitário, que faz parte do grupo de 17 ativistas angolanos, condenados a 28 de março a penas entre os dois anos e três meses e oito anos e meio, por atos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores, falou à Lusa após a libertação, por ordem do Tribunal Supremo, tendo admitido que falta aos angolanos a perceção da "grandeza da unidade".

Em entrevista à Lusa, o ativista, autor do livro que desencadeou a operação policial que a 20 de junho de 2015 levou à generalidade das detenções neste processo, emitiu a sua opinião sobre o processo e o seu desfecho, abordou os dias em esteve preso e como continua a ver o país e as autoridades de Angola.

Classificou como "difíceis" os primeiros dias após a detenção, sem acesso a visitas e colocados em condições, que considerou "degradantes".

"Locais onde havia baratas, ratos. De uma forma sintética, um espaço infra-humano, que não é adequado para acolher pessoas", recordou Domingos da Cruz.

Para o ativista e investigador, este processo demonstra que os angolanos se encontram ainda numa "sociedade autoritária" e onde o nível de cultura política é "claramente autoritário", demonstrando que ainda há um longo caminho a percorrer para que se venha a ter uma Angola diferente.

"A minha ideia era permanentemente, de que aquilo era sinal, ou que nos encontramos num país extremamente atrasado, do ponto de vista político, por um lado, mas, por outro lado, também mostrava-me preocupado pelo facto de não haver uma sociedade capaz de levantar-se de forma conjunta", disse o ativista, autor da obra "Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar uma Nova Ditadura", que o grupo de ativistas contestatários do regime de José Eduardo dos Santos debatia numa formação que deveria decorrer durante algumas semanas.

Domingos da Cruz conclui que, "efetivamente do ponto de vista rigoroso", Angola não tem um sistema judicial e que precisa caminhar muito para que os angolanos possam ter um país diferente.

"Mas há uma questão fundamentalíssima, logo após à nossa condenação, a minha pergunta foi: somos mais de 26 milhões de habitantes, como é que tanta gente consegue submeter-se à vontade de um homem, talvez seja pelo facto de não sermos capazes de perceber, digamos, a grandeza da unidade, juntos somos mais fortes", manifestou.

"Por exemplo, prenderam 15 inicialmente depois tornámo-nos 18, como deve calcular, se as pessoas tivessem percebido que não é possível prender um milhão ou 100.000 pessoas, que eventualmente se possam revoltar, seguramente que as pessoas agiriam.

De forma sintética, já nas celas a questão que eu sempre levantei, como é que um povo consegue se submeter à vontade de um tirano, impressiona-me, a capacidade de um povo se submeter", criticou o ativista.

Nos dias que se seguem, Domingos da Cruz, considerado o líder do grupo e condenado a pena mais alta - oito anos e seis meses - vai continuar a pensar e a produzir ideias, o que mais gosta e sabe fazer, até que lhe consigam provar que "escrever um livro e divulgar ideias e partilhá-las é crime".

"Para mim é perfeitamente razoável discutir ideias e é sinal de progresso civilizacional. Quem está disponível para discutir ideias é uma pessoa evoluída e portanto não posso parar, seria regredir do ponto de vista civilizacional", frisou.

Agradeceu o apoio dde familiares e amigos nesse período, e lembra que também foram muitos os que não se solidarizaram, facto que não critica, porque está consciente que as pessoas não são obrigadas a seguir as opções por si feitas.

"Uns não fizeram, não por serem maus, talvez por medo e temos que tentar compreender o medo dessas pessoas e aproveitar a ocasião para dizer que nós somos mais de 26 milhões de pessoas, o opressor é só um, com um grupo à sua volta", reiterou.

Do grupo de 17 ativistas angolanos, 16 foram postos em liberdade condicional na sequência do provimento do Tribunal Supremo ao `habeas corpus`, apresentado pela defesa após a condenação a 28 de março.

 

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