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Buracos negros binários "dançam" como a Lua e a Terra

É difícil detetar um buraco negro porque este fenómeno celeste absorve a própria luz, mas a Física e algumas das características dos próprios buracos negros provam que existem. Agora, o Departamento de Física da Universidade de Aveiro pega num estudo que revela um sistema binário de buracos negros e descobre que estes "dançam", orbitalmente, como a Lua faz com a Terra.

Não é preciso ser astrónomo para dizer, com toda a certeza, que há mais estrelas no céu do que grãos de sal num pacote de quilo.

Mas quem olha o universo e estuda os fenómenos celestes sabe também que mais de 50 por cento das estrelas conhecidas e já catalogadas têm uma companheira estelar, ou seja, estão constituídas em sistemas binários solares.


Exemplo de um sistema solar binário - Créditos: Lucasfilm

Sabendo que os buracos negros derivam da morte de uma estrela, não é surpresa para a comunidade científica a existência de sistemas binários deste tipo de fenómenos.

Em condições ditas normais, na mecânica celeste, quando uma estrela morre, pode acontecer uma de três coisas: os restos estelares voltam a integrar uma nebulosa (origem das estrelas); dá-se a formação de uma estrela de neutrões; assistimos ao surgimento de um buraco negro.




O que é um buraco negro?
Um buraco negro é uma região do espaço onde se prevê existir uma concentração gigantesca de massa de tal forma que nada consegue escapar à atração da sua força de gravidade, nem mesmo a luz, o que leva á designação de "buraco negro".

De acordo com Alexandre Correia, investigador do Departamento de Física da Universidade de Aveiro, a melhor teoria para explicar este fenómeno celeste é a Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein.

Segundo Einstein, a força da gravidade exercida por um corpo celeste, como os planetas ou as estrelas, manifesta-se na deformação no espaço-tempo,

Essa deformação será, do ponto de vista teórico, maior ou menor segundo a massa ou a densidade do corpo. Logo, quanto maior a massa do corpo, maior a deformação e maior a força de gravidade exercida.

Imagine o leitor que quer viajar para o espaço e necessita de uma força mínima para escapar da força gravitacional do nosso planeta. Ora, como a Terra exerce uma determinada força gravitacional sobre o nosso corpo, teríamos que utilizar um mecanismo que nos elevasse no sentido contrário à força - é a velocidade de escape.

Velocidade de Escape na Terra é a velocidade mínima (11 km/segundo) que um objeto sem propulsão precisa para se mover indefinidamente da origem do campo, em vez de cair ou ficar em órbita a uma distância constante do ponto de partida.

Por exemplo, para que um foguetão saia da atmosfera terrestre para o espaço é necessária uma velocidade de escape de 40.320 km/h. Em Júpiter, essa força teria de ser 214.200 km/h. Uma enorme diferença, explicada porque a massa de Jupiter é muito maior que a da Terra.

E é precisamente esta lei da Física que se verifica nos buracos negros. Há uma concentração de massa tão grande num ponto tão infinitamente pequeno que a densidade acaba por causar uma deformação no espaço-tempo que exige uma velocidade de escape maior que a da luz.

O que explica que nem a luz consiga escapar de um buraco negro.

E, já que nada se consegue mover mais rápido que a velocidade da luz, nada pode escapar de um buraco negro, como explica Alexandre Correia, que estuda os sistemas solares, planetas extrassolares e física planetária.



Certo é que, nem sempre duas estrelas morrem na mesma altura. Portanto, aquando da formação de um buraco negro por uma das estrelas, aquela que ainda está ativa é absorvida pela massa gravitacional da primeira.



Mas, no campo da Física celeste, todos os cenários existem e a formação de um sistema binário de buracos negros é um cenário viável.

Em agosto de 2015, os astrónomos da NASA - após análise de dados provenientes da galáxia Markarian 231 (Mkr 231) captados pelo Telescópio Espacial Hubble - descobriram um quasar (sistema com núcleo galáctico ativo, maior que o de uma estrela, mas não suficiente para ser considerado uma galáxia) que tem no seu interior um sistema binário de buracos negros.

Mkr 231, a galáxia dos quasares com buracos negros
A designada Mkr 231 é a galáxia “mais próxima da Terra” a conter no seu interior formações de quasares. Está localizada a cerca de 600 milhões de anos luz do nossa Via Láctea.

E foi precisamente nesta espiral galáctica que vários astrónomos descobriram dois buracos negros num quasar.

Os astrónomos defendem que na presença de apenas um buraco negro no centro do quasar, o seu disco celeste emitiria um largo espectro de intensos raios ultravioletas. No entanto, em vez disso, o brilho ultravioleta do disco cai abruptamente em direção ao centro.




A melhor explicação para este formato no disco - em forma de donut - é baseado em modelos dinâmicos que sugerem que o centro do disco é esculpido pela ação, não de um, mas sim de dois buracos negros orbitando um em volta do outro.




"Estamos muito animados em relação a este achado, porque ele não só mostra a existência de um buraco binário em 231 Mrk, mas também abre um novo caminho para pesquisar sistemas binários de buracos negros através da natureza de sua emissão de luz ultravioleta", afirmou Youjun Lu, astrónomo residente no centro de Observatórios Astronómicos Nacionais da China, da Academia Chinesa de Ciências.

Após esta descoberta, o passo seguinte consistia em saber como funciona esta estranha combinação. Foi precisamente neste ponto que o físico português Alexandre Correia se concentrou, tendo descoberto que um sistema binário de buracos negros trabalha em equilíbrio gravitacional - como a Terra e a Lua - antes de se juntarem num único e gigantesco buraco negro.

O físico da Universidade de Aveiro, em conversa com a RTP Online, explica que o estudo que está a ser feito no Departamento de Física da UA tem como obectivo perceber a velocidade de "ricochete" dos buracos negros e a rotação que estes executam.

"O que estamos a estudar é o que poderá ser esse tipo de velocidades, porque isso depende dos eixos de rotação dos buracos negros iniciais. Se a rotação estiver alinhada de uma determinada maneira, a velocidade final do buraco negro poderá ser maior ou menor, o que irá ou não permitir escapar à galáxia."



"Portanto o nosso estudo concentrou-se nessa fase imediatamente anterior à fusão dos dois buracos negros. Nós estudamos a distribuição dos eixos de rotação dos dois buracos negros para tentar perceber quais são as probabilidades para que possa haver o escape do buraco negro da galáxia", explica Alexandre Correia.





Buracos negros binários “dançam” como a Lua faz com a Terra

No trabalho recentemente publicado, Alexandre Correia garante que existem apenas dois tipos de equilíbrio distintos e, para o explicar, aponta um mecanismo idêntico ao que explica a rotação da Lua, quer sobre ela própria, quer em torno da Terra.

"A Lua e a Terra também formam um binário mas com massa muito inferior à dos buracos negros binários", defende o físico.

Se olharemos o exemplo orbital entre a Lua e a Terra, o eixo de rotação da Lua é perturbado pela rotação da Terra e pelo movimento orbital; da mesma forma, o eixo de rotação de um buraco negro é perturbado pela rotação do outro buraco negro e pelo movimento orbital.

"Os problemas são por isso muito semelhantes, a única diferença é que no caso da Lua se podem usar as equações da Mecânica Clássica de Newton e para os buracos negros tem de se recorrer à Relatividade Geral de Einstein", refere Alexandre Correia.


Dois buracos negros, um maior que o outro que, com o tempo acabam por se fundir, explica Alexandre Correia.



"Eles fundem-se, juntam-se um com o outro. (…) É como se eu dissesse que tenho uma gota de água grande e uma gota de água pequena que se juntam numa só e fica uma gota de água maior".


Buracos negros errantes podem passar junto ao nosso sistema solar
Neste estudo sabe-se que na fusão de dois buracos negros - e devido às suas forças gravíticas, dependendo sempre das suas rotações e velocidades - o resultado dessa fusão das super-massas gravíticas pode provocar uma “expulsão” do local onde se deu a fusão e obrigar o novo e maior buraco negro a tornar-se num viajante sideral a uma velocidade inimaginável.

Para o físico Alexandre Correia, esse fenómeno só poderá ocorrer em condições muito especiais, mas não é de todo impossível.

Questionado pelo online da RTP sobre a possibilidade de um dia o nosso sistema solar poder vir a ser visitado por um desses “super buracos negros errantes”, o investigador do Departamento de Física de Aveiro diz apenas que "o efeito de fisga (movimento) lhes aplica uma grande velocidade e que, a passarem pelo sistema solar, seria muito rápido".

"Claro que se um buraco negro, mesmo de pequenas dimensões, tem uma massa superior à do Sol. Se se aproximasse muito do sistema solar poderia provocar danos irreparáveis, só que a probabilidade de isso acontecer é muito baixa", esclarece.


Certo é que ainda nenhum buraco negro se aproximou o suficiente do nosso sistema solar, porque de outra forma "não estaria aqui" a ler esta notícia.

Para mais informações sobre o estudo elaborado pelo físico Alexandre Correia, pode sempre consultar o trabalho de investigação recentemente publicado na revista Monthly Notices da Royal Astronomical Society.