Chuva de bombas volta a cair sobre as ruínas de Alepo

por Christopher Marques - RTP
A UNICEF revela que os ataques danificaram a estação de fornecimento de água de Bab al-Nayrab Abdalrhman Ismail - Reuters

Sem cessar-fogo, multiplicam-se os ataques, cresce o número de vítimas mortais. A cidade síria de Alepo é o campo de batalha de uma guerra sem fim à vista. Este sábado pelo menos 45 pessoas perderam a vida. Na sexta-feira foram pelo menos 47 numa cidade agora sem água corrente. Damasco e Moscovo parecem trabalhar para a conquista total da cidade.

Violado e dado por terminado o cessar-fogo, os bombardeamentos do regime de Damasco regressaram a Alepo.

Todos os dias são noticiados ataques e somam-se novas vítimas mortais às mais de 300 mil pessoas que perderam a vida desde o início do conflito em 2011.

Este sábado não foi diferente. Os aviões russos e sírios despejaram bombas pelo céu da outrora capital económica da Síria. O Observatório Sírio dos Direitos Humanos contabiliza pelo menos 45 mortos, mas as consequências poderão ser bem maiores.
Sem água potável

A UNICEF revela que os ataques danificaram a estação de fornecimento de água de Bab al-Nayrab, que abastece a parte leste de Alepo, controlada pelos rebeldes. Como retaliação, foi desativada a estação que, apesar de localizada na zona oeste, fornece água às zonas controladas pelo regime.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância teme o aparecimento de doenças que se propagam pela água nas zonas controladas por rebeldes. A organização adianta que as populações de Alepo-Oeste poderão usar a água dos poços, mas não a leste, onde a água dos furos está contaminada.

A secção das Nações Unidas dedicada à Infância fala em mais de dois milhões de pessoas sem acesso a água corrente. O envio de camiões cisternas com água é uma possibilidade avançada pela UNICEF, mas seria sempre uma forma de minimizar o problema e não uma solução a longo prazo.

“É crucial para a sobrevivência das crianças que todas as partes em conflito parem os ataques contra as infraestruturas hídricas, facultem acesso para que os estragos na estação de Bab al-Nayrab sejam reparados e seja reposta em funcionamento a estação de Souleimane al-Halabi”, pede a UNICEF.
"Cenas de apocalipse"
A falta de água é apenas uma das faces visíveis do conflito. Os relatos feitos pelo jornalista da France Presse no local apresentam uma cidade em ruínas, pessoas barricadas em casa e hospitais que há muito ultrapassaram todos os limites. São "cenas de apocalipse", escreve o repórter Karam Al-Masri, que lida de perto com a guerra e a incapacidade das equipas médicas.

“Os feridos estão a morrer sob o nosso olhar impotente”, contou-lhe Ahmad. O médico pediu ao jornalista que não revele o seu nome nem o local onde se encontra, com receio que o seu estabelecimento clínico seja também atacado.

Na zona de Alepo controlada pelos rebeldes restam apenas três ou quatro hospitais. Faltam hospitais, faltam médicos, condições e instrumentos. Em muitos casos, é impossível tratar as feridas. A solução é amputar para assegurar que os doentes sobrevivam.

“Não podemos fazer nada por eles, sobretudo os que têm ferimentos na cabeça. Faltam-nos bolsas de sangue, material para a transfusão. Precisamos de dadores”, afirma Ahmad, rodeado de homens e crianças que gemem de dor, deitados no chão avermelhado por falta de camas.

Os chamados “capacetes brancos”, que têm concretizado as operações de socorro nas zonas controladas pelos rebeldes, revelam que já só têm duas ambulâncias para acudir as populações.
Negociações sem sucesso
A milhares de quilómetros, longe do conflito e das suas consequências, as diplomacias russa e norte-americana não conseguem chegar a um acordo que ponha fim ao massacre.

Washington mantém o apoio às forças rebeldes e Moscovo ao regime de Bashar al-Assad. O acordo de cessar-fogo a que chegaram a 12 setembro durou poucos dias, chegando definitivamente ao fim com o ataque ao comboio humanitário que matou pelo menos 20 pessoas. Não há perspetiva de que se chegue a novo entendimento em breve.

Este sábado o ministro sírio dos Negócios Estrangeiros acusou os Estados Unidos de terem atacado de forma “intencional” um posto do exército de Damasco a 17 de setembro.
Damasco e a "luta contra o terrorismo"
Nas Nações Unidas, o governante afirmou que Damasco está a fazer “grandes avanços na sua luta contra o terrorismo” e acusou os EUA e seus aliados de serem “cúmplices” com o Estado Islâmico e outras “organizações terroristas”.

Walid al-Moalem garantiu ainda que o regime de Bashar al-Assad está empenhado em avançar com um processo de paz liderado pelas Nações Unidas. Uma mensagem transmitida no final de uma semana em que os bombardeamentos do regime se intensificaram em Alepo.

A cidade, verdadeiro símbolo do conflito, está dividida em duas partes: a zona leste é controlada pelos rebeldes, os setores ocidentais pelas forças de Bashar al-Assad. Ainda este sábado, as forças de Damasco atacaram o bairro de Boustane al-Qasr, situado no limite da zona controlada pelos rebeldes.

Sete pessoas morreram quando estavam à espera de alimentos. Para o Observatório Sírio dos Direitos Humanos, o objetivo é “forçar as populações a fugir para as zonas controladas pelo regime” de forma a ocupar Boustane al-Qasr.
Assalto final?
Os avanços do regime sírio, bem como o não empenhamento nos processos de paz, indiciam que Damasco e Moscovo acreditam que a vitória está próxima. O exército sírio recuperou agora o campo de refugiados palestinianos de Handarat, que estava sob controlo rebelde há vários anos.

Os habitantes da área controlada pelos rebeldes em Alepo garantem que os ataques aéreos são cada vez mais frequentes e potentes. À agência Reuters, um líder de uma milícia iraquiana pró-Damasco disse mesmo que o objetivo é conquistar toda a cidade de Alepo em uma semana.

A oposição fala em “atrocidades” cometidas pelo regime sírio com o apoio de Moscovo. “Alvejam comboios humanitários, matam civis, usam armas químicas, largam barris contra a população, arrasam edifícios inteiros, cometem massacres”, afirmou o primeiro-ministro interino Jawab Abu Hatab.

Numa conferência em Istambul, a coligação nacional síria, que se encontra exilada, falou de “crime em Alepo” e criticou o “silêncio da comunidade internacional”.

A guerra na Síria teve início em 2011. Mais de 300 mil pessoas morreram desde o início do conflito, milhões foram forçadas a abandonar as suas casas. É a pior crise humanitária desde o fim da II Guerra Mundial e não tem fim à vista.
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