Ciberataque revela milhares de e-mails de assessor muito próximo de Putin

por Graça Andrade Ramos - RTP
Vladislav Surkov (E) é um dos assessores mais próximos de Vladimir Putin RIA Novosti - Reuters

Vladislav Surkov é responsável pelas mais cruciais operações de bastidores do Presidente russo, sendo conhecido como o cardeal cinzento, ou eminência parda. Segundo analistas, os e-mails publicados por um grupo alegadamente ucraniano autodenominado CyberHunta revelam que o movimento separatista ucraniano foi orquestrado a partir do seu gabinete.

Os e-mails, mais de um gigabyte de dados já conhecidos como os "Ficheiros Surkov", foram publicados dia 25 de outubro.

Abrangem mais de um ano, entre os meses de setembro de 2013 e novembro de 2014, um período marcado pelo conflito armado na Ucrânia depois do Governo em Kiev ter tentado sacudir a asa russa e aproximar-se da União Europeia.

O correio eletrónico mostra alegadamente como a Rússia planeou ao detalhe a desestabilização politica da Ucrânia, que levou à anexação da Crimeia por parte da Federação russa e aos confrontos com o movimento separatista do leste do país - igualmente comandados a partir do Kremlin.

"Este é um ataque informático muito sério", afirmou à NBC Maks Czuperski, diretor do Laboratório de Pesquisa Digital Forense do Conselho Atlântico (Digital Forensic Research Lab of the Atlantic Council), que estudou os e-mails e publicou on-line uma seleção.

Surkov é um assessor muito próximo de Putin há mais de 10 anos, tendo sido vice-primeiro-ministro entre dezembro de 2011 e maio de 2013 e vice chefe de gabinete. Terá sido o arquiteto da vitória eleitoral de Putin em 2004 e do atual sistema político russo.
EUA negam envolvimento
Através do porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, Moscovo refutou dia 26 de outubro as alegações, referindo que Surkov "não usa correio eletrónico" - o que é verdade.

Mas os e-mails pirateados foram enviados ou recebidos por assistentes do "cardeal", entre eles um "Masha" e uma "Yevguenia", revela Czuperski. Os ficheiros incluem "a caixa de entrada, a caixa de saída, rascunhos, correio apagado, spam, etc", referiu.Embora seja relativamente fácil compor imagens de e-mails - incluindo documentos PDF e screenshots - a falsificação de toda uma caixa de e-mail é muito difícil. Uma vez que os documentos publicados incluem os cabeçalhos, através dos quais é possível seguir todo o histórico do correio, desde a criação da mensagem aos servidores por onde circulou, etc, a autenticidade dos e-mails é praticamente garantida.

De acordo com um analista do DFRL, a conta pirateada foi a prm_surkova@gov.ru, sendo provavelmente a conta de trabalho de um assistente de Surkov e sido infiltrada através do portal Yandex.

Fontes dos serviços de informações norte-americanos afirmaram à NBC que não há razões para suspeitar da autenticidade dos e-mails agora publicados e garantiram que os Estados Unidos não tiveram nada a ver com o ataque informático.

A Rússia tem sempre negado qualquer envolvimento nos movimentos separatistas assim como nega que esteja a coordenar os ataques informáticos que têm atingido a ex-senadora e candidata presidencial Hillary Clinton e o Partido Democrático, numa tentativa de influenciar as eleições norte-americanas.

"Já vimos acontecer tanta coisa aos Estados Unidos e outros países às mãos da Rússia", afirmou Czuperski. "E quase nada à Rússia. Era apenas uma questão de tempo até que uns tipos anónimos como o CyberHunta aparecessem a atacá-los".
Ações subversivas
Não é só a guerra de 2014 que é abrangida nos e-mails - e a maioria destes são inócuos, o que só lhes dá mais autenticidade.

De acordo com análises publicadas no The Hill, os documentos apresentam uma cronologia detalhada para uma operação geopolítica que deverá durar de novembro de 2016 a março de 2017. Um deles propõe um plano de seis passos para subverter as instituições socio-políticas ucranianas.



O alegado plano inclui iniciativas para "conversações com os líderes da oposição" em novembro, a "inserção das pessoas certas no movimento" para "influencia interna e difusão de informação" até finais de dezembro, assim como a negociação com empresários que têm "poder de alavancagem" sobre deputados ucranianos até ao final do outono.

"Concretização dos objetivos supra-mencionados requer a desestabilização da vida política na Ucrânia e deve ser seguida imediatamente de eleições parlamentares e presidenciais", refere um dos documentos,

Sobre a guerra ucraniana, os e-mails incluem dados tão variados como uma lista de baixas na região ucraniana de Dunbass, enviada por um alto responsável dos separatistas e uma outra de candidatos aos cargos numa eleição simulada. Num dos e-mails, os nomes marcados com um asterisco foram "aprovados por nós" e são "especialmente recomendados". Dias depois os mesmos nomes foram anunciados como tendo sido "eleitos".

Há ainda relatórios extensos e uma proposta para um gabinete de imprensa governamental em Donetsk formado por três pessoas - um editor, um repórter e um gestor de redes - para fins de propaganda.

Vladislav Surkov em dezembro de 2010 Foto: Reuters

Nestes casos, os emails provam ligações do gabinete de Surkov a um líder separatista chamado Denis Pushilin e a um multimilionário russo com ligações aos separatistas, Konstantin Malofeev.

Os serviços de segurança da Ucrânia (SBU) confirmam a veracidade dos documentos pirateados, mas os seus analistas avisam que mesmo assim o seu conteúdo pode ter sido alterado ou modificado de alguma forma.

"Os ficheiros PDF parecem realmente estranhos" afirmaram duas fontes dos SBU, citadas pela Radio Free Europe. "É por isso que gostaríamos de ver os originais. Poderíamos então fazer análise forense e tirar conclusões finais".

Surkov não comentou a fuga, mas, tal como notou a Bloomberg, como ele só utiliza intermediários não há provas que o liguem aos e-mails e às ordens e planos neles contidos. Ou seja, mesmo que os e-mails sejam autênticos não há forma de garantir que ele os recebeu, os pediu ou até que lhes respondeu.
Alvo de sanções
Os dados parecem confirmar as alegações norte-americanas na época da rebelião ucraniana, de que o Kremlin controlava o movimento separatista a micro-nível.

O nome de Surkov estava incluído nas listas de responsáveis russos e ucranianos sancionados pela Administração Obama em março de 2014 devido ao seu envolvimento com os separatistas.

As sanções americanas incluíram o congelamento dos bens de Surkov nos Estados Unidos e a proibição de entrada no país. Sanções semelhantes foram impostas pela União Europeia.
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