Como Peres, Nobel da Paz, criou a bomba nuclear israelita

por RTP
Dimona Jim Hollander - Reuters

A Comissão de Energia Atómica de Israel (CEAI) comentou a morte de Shimon Peres, qualificando-o como "um dos maiores pilares da segurança nacional israelita". Por trás da frase enigmática está o papel decisivo de Peres na criação da bomba nuclear israelita.

A citação completa da CEAI, reproduzida no diário israelita Haaretz afirma que "a actividade de Shimon Peres fez parte da actividade da desde a sua fundação. Peres deu um contributo decisivo para o Centro de Investigação Nuclear no Negev e para a fundação da política nuclear de Israel como um dos maiores pilares da segurança nacional israelita".

O artigo do Haaretz, da autoria de Anshel Pfeffer, analisa e inventaria as revelações de um livro da autoria de um outro jornalista, Dan Margalit. Entre essas revelações está a de Peres ter assinado como "geólogo" um parecer favorável à construção do reactor nuclear de Dimona, num momento em que nenhum verdadeiro geólogo aceitava responsabilizar-se pela construção naquele local.Um dos pais fundadores do programa nuclear
Peres pouco ou nada falou desse seu papel em público. No início deste ano, durante uma entrevista à revista Times, o ex-líder israelita afirmou: "Dimona ajudou-nos a alcançar Oslo".

Quarenta anos antes, Peres fez pela primeira vez um discurso similar, defendendo um programa nuclear, embora muito poucos israelitas tivessem percebido sobre o que ele estava a falar.

O professor Avner Cohen, o principal historiador do projeto nuclear de Israel, escreveu no seu livro "The last Taboo" que, apesar da decisão de estabelecer a capacidade nuclear de Israel no início de 1950, tomada pelo então primeiro-ministro Ben Gurion, esta nunca foi reduzida a escrito.

Peres, na altura diretor-geral do Ministério da Defesa, foi encarregado de interpretar os "desejos" de Ben Gurion e pô-los em prática.

Na altura, como funcionário público, um jovem de apenas trinta anos, enviado pelo primeiro-ministro para construir um programa nuclear, Peres foi um "alvo fácil" para os mais críticos.
Resistências ao nuclear na sociedade israelita
Ele teve de enfrentar a comunidade académica em grande parte constituída por pacifistas, a maioria dos quais contra a ideia de Israel ter uma arma nuclear.

Teve ainda de enfrentar grande parte dos generais das Forças Armadas de Israel que temiam um programa nuclear caro, que absorvesse os escassos orçamentos necessários para a construção de um exército convencional. Todos eles duvidaram de Peres.

Em 1957, vários professores académicos sentiram as suas investigações postas em causa, uma vez que estavam a ser utilizadas para outros fins. Foi o caso da maioria dos membros da CEAI, com exceção do professor Ernest David Bergmann, que também era assessor cientifico de Ben Gurion.

Em Jerusalém, um grupo liderado pelo filósofo Professor Yeshayahu Leibowitz fundou uma comissão de desarmamento e afirmou que Israel estava prestes a viver um holocausto nuclear.

Com a ajuda de Bergmann, Peres conseguiu vencer a resistência dos professores.

Recrutou jovens físicos para trabalharem nos centros de pesquisa de Dimona e Soreq, em vez dos cientistas veteranos do instituto de Weizmann, que se recusaram a cooperar. Venceu as objeções dos generais através da obtenção de fundos para o projeto nuclear sem ter de recorrer ao orçamento da Defesa, através de doações secretas de filantropos judeus, ansiosos por contribuir para a garantia da sobrevivência do Estado judeu.
Colaboração nuclear com França e África do Sul
Uma das principais decisões de Peres não era seguir o caminho mais longo e caro através do desenvolvimento de um reator nuclear israelita pré-concebido.

Em vez disso, ele arriscou e tentou aproveitar a oportunidade histórica de curta duração. Com o apoio, hesitante no início, da IDF, o chefe de Estado-Maior, Moshe Dayan, incluiu um reator nuclear na lista de solicitações feitas por Israel ao Governo francês, na véspera da campanha de 1956 de Suez.

Verificou-se uma diminuição do poder de Ben Gurion a partir do final dos anos 50, tal como da influência de Peres. No entanto, no início de 1960 Peres ainda tinha autoridade para tomar várias decisões importantes, pelo que dirigiu o desenvolvimento e o lançamento do primeiro míssil e encomendou ainda um lote de 25 mísseis balísticos das indústrias aeroespaciais francesas que já estavam em Israel a vender centenas de aviões militares.

De acordo com relatórios estrangeiros, estes serviram como base para o desenvolvimento dos mísseis israelitas, capazes de transportar ogivas nucleares.

Em 1963, durante uma visita a Washington já como vice-ministro da Defesa para assinar o primeiro acordo de armas com os EUA para os mísseis antiaéreos, Peres também se reuniu com o presidente John Kennedy, que estava totalmente contra a ideia de Israel ter armas nucleares.

Foi então que Peres redigiu cuidadosamente um compromisso em que constava que Israel não seria o primeiro a introduzir armas nucleares na região, tornando-se esta a base da política de "ambiguidade nuclear" que até hoje se verifica em Israel.

Em 1967, após a Guerra dos Seis Dias, Peres estava longe de ver terminada a sua participação no programa nuclear, mas quase nada do que aconteceu depois de 1967 foi confirmado publicamente.

De acordo com fontes estrangeiras, aqueles foram os anos durante os quais Israel e África do sul cooperaram estreitamente em assuntos nucleares, havendo suspeitas  de terem realizado um teste nuclear conjunto no Oceano Índico, em Setembro de 1979. Peres ordena o rapto de Vanunu em Roma
Nesta altura já Likud estava no poder e Peres na oposição.

Uma das últimas decisões de Peres como primeiro-ministro, antes de entregar as rédeas ao seu sucessor Yitzhak Shamir em outubro de 1986, foi ordenar o rapto de Mordechai Vanunu. O técnico do reator de Dimona tinha revelado segredos nucleares de Israel ao The Sunday Times.  

Peres sempre foi um dos líderes que mais fez por preservar a realidade nuclear naquele país. 

pub