E à esquerda em Espanha? É "o momento de refletir"

por Carlos Santos Neves - RTP
“Esperávamos resultados diferentes. É o momento de refletir”, admitiu Pablo Iglesias, rosto do Podemos, na primeira reação pública ao escrutínio de domingo Zipi - EPA

Mariano Rajoy e os conservadores do PP cresceram nas eleições gerais em Espanha. Mas não chegaram à maioria absoluta, pelo que prometem desde já “falar com todos”. O PSOE de Pedro Sánchez agarrou-se a um pálido segundo lugar. E a aliança Unidos Podemos, que as sondagens catapultavam para o que seria um histórico estatuto de segunda força política? Foi terceira. Entre as fileiras da esquerda digere-se o fracasso. Sem conseguir, por enquanto, dizer a palavra.

O diário espanhol El Mundo chama-lhe “o triste vencedor da aziaga noite eleitoral” da aliança entre o Podemos e a Esquerda Unida. Trata-se de Íñigo Errejón.

Foi Pablo Iglesias, número um do Podemos, quem insistiu na via da aliança com os herdeiros dos comunistas liderados por Alberto Garzón, contra a opinião do secretário de Política e número dois do partido. E a verdade é que Podemos e Esquerda Unida perderam 1,2 milhões dos votos que haviam obtido, separados, nas eleições de 20 de dezembro.“Estamos aqui para assumir a responsabilidade, mas creio que ainda temos muito futuro neste país”, sustentou Pablo Iglesias.


Da contagem dos sufrágios de domingo resultou um PP reforçado, mas ainda aquém do conforto de uma maioria absoluta – o partido de Mariano Rajoy reuniu 33,03 por cento dos votos, elegendo 137 deputados.

Contra os prognósticos das sondagens, o PSOE de Pedro Sánchez teve 22,66 por cento, garantindo 85 deputados. A aliança Unidos Podemos foi terceira, com 21,1 por cento dos votos e 71 deputados, e o Ciudadanos quarto com 13,05 por cento e 32 parlamentares.

Saiu gorada a ultrapassagem dos socialistas tão desejada por Iglesias. Ainda a experimentar o sabor amargo da noite, o rosto do Podemos não quis empregar o substantivo fracasso. Preferiu dizer que este “é o momento de refletir”. Não foi também ao ponto de abrir uma brecha na coligação, ao defender que “a confluência revelou ser o caminho correto”, tendo em conta “a responsabilidade de Estado”.

Antes de Pablo Iglesias – e uma vez dissipado algum entusiasmo precoce nos primeiros instantes do pós-votação, perante as sondagens à boca das urnas - fora Íñigo Errejón, a quem a noite acabou por dar razão, a afirmar que os resultados penalizaram quer “a confluência” de esquerda, quer o país.

“Demonstrámos que o nosso espaço político se consolida, mas por vezes estes processos não se dão nem de uma forma linear, nem da forma de que gostaríamos”, reconheceu.
Estratégia paradoxal?

Os partidos de Iglesias e Garzón conservaram sempre a convicção de que a simples soma dos cinco milhões de votos do Podemos aos 900 mil da Esquerda Unida, obtidos no final de 2015, seria o golpe de misericórdia no PSOE, assim relegado para terceira força. Não foi.

El País sintetiza aquele que terá sido o paradoxo no discurso da aliança de esquerda, mas sobretudo do Podemos: “Iglesias não deixou em nenhum momento da campanha o discurso da mão estendida e, ao mesmo tempo, esforçou-se por demonstrar que o secretário-geral do PSOE não deixou de ser o seu maior rival nas urnas”.

Neste sentido, lembra o mesmo jornal espanhol, Pablo Iglesias procurou forçar Pedro Sánchez a erguer o véu sobre o que pretenderia fazer em termos de acordos pós-eleitorais, deitou a mão ao “património simbólico da social-democracia” e chegou mesmo a descrever José Luis Rodríguez Zapatero como o melhor chefe de governo da democracia.

Nem os socialistas foram ultrapassados, nem os conservadores perderam votos. Para já, é Mariano Rajoy quem reivindica, uma vez mais, “o direito de governar”. Seis meses depois, os espanhóis regressam à incerteza de uma nova partida de xadrez político.
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