González revela que Sánchez lhe disse que se iria abster na investidura de Rajoy

por RTP
Felipe González ao lado de Pedro Sánchez em Madrid, a 24 de junho Javier Barbancho - Reuters

O antigo primeiro-ministro espanhol diz sentir-se “enganado” por Pedro Sánchez, por este lhe ter garantido em junho que se ia abster na segunda votação de investidura de um governo do PP. Felipe González defende que o secretário-geral do PSOE deve demitir-se caso sofra um revés na reunião do comité federal marcada para o próximo sábado. Em comunicado, Sánchez reage dizendo que respeita as opiniões do seu antecessor, mas não as valoriza.

Felipe González assegurou que o secretário-geral socialista lhe garantiu este verão que os socialistas se iriam abster na segunda votação da investidura de Mariano Rajoy e assim não impedir a formação de Governo. “Claro, sinto-me enganado e defraudado por Pedro Sánchez”, sublinhou o antigo presidente do Governo numa entrevista à Cadena Ser.

“O PSOE deve abster-se; hoje opino-o com mais força”, reitera González.

“Falei com Pedro Sánchez porque ele me pediu para nos reunirmos depois das eleições de 26 de junho. A 29 de junho explicou-me que [o PSOE] passaria à oposição, que não tentaria formar nenhum governo, votaria contra a investidura do Governo PP, mas que numa segunda votação passaria à abstenção para não impedir a formação de um Governo. A mim, não tem de dar-me explicações, mas sinto-me frustrado, enganado… Realmente, sinto-me enganado porque me disse que ia fazer uma coisa e fez outra (…) Se mudou de posição, não a explicou a ninguém e terá as suas razões; sinto-me enganado e criou uma confusão no partido e muita mais no país”, reiterou na entrevista emitida na manhã desta quarta-feira.

Felipe González considera que Sánchez deve demitir-se se o comité federal do partido rejeitar no próximo sábado o plano de convocar um congresso em dezembro, precedido por umas primárias para eleger o líder a 23 de outubro. “Alguém terá que assumir a responsabilidade política de ir de derrota em derrota, presume-se que até a vitória final”, refere.

Declarações que surgem em plena batalha interna entre os socialistas.
“Muito preocupado”
O dirigente histórico socialista disse estar “muito preocupado” com a situação no PSOE, sobretudo pela possibilidade de um “disparate monumental de umas terceiras eleições que poderiam levar a uma crise do sistema”.

Embora lançando críticas ao imobilismo de Rajoy, considera que “não se pode faltar ao respeito aos cidadãos que nele votaram”. E conclui que os socialistas não devem apoiar o seu governo, mas sim deixá-los arrancar com um governo”. De igual forma, Felipe González está contra a tentativa de Sánchez de tentar um governo alternativo.

O responsável da região de Castilla-La Mancha, Emiliano García-Page, considerou que Pedro Sánchez deve “pedir desculpas” a Felipe González, considerando que “falta lucidez” ao secretário-geral. Questionado pelos jornalistas, considerou porém que forçar a saída de Sánchez, substituído por um “gerente”, seria o “último recurso”, o que “devemos evitar por todos os meios”.
Sánchez reage
Em comunicado, Pedro Sánchez reage, dizendo que respeita as opiniões do seu antecessor, mas não as valoriza.

O secretário-geral dos socialistas espanhóis realça que mantém conversações com dirigentes e ex-dirigentes do PSOE, mas que não irá “avaliar ou tornar público o conteúdo de qualquer delas”. Ainda assim, diz “respeitar as opiniões expressas em relação à situação política atual” por Felipe González.

Sánchez realça que durante meses escutou muitas opiniões e reflexões para tomar decisões e conformar uma posição política, argumentando que foi o Comité Federal do PSOEque fixou a posição socialista perante a investidura de Mariano Rajoy, tanto na legislatura anterior como na atual”. O secretário-geral revê igualmente os argumentos que apresentou para avançar para um Congresso Federal, sobre a liderança e linha política dos socialistas, lançando um debate de fundo para que o partido “fale a uma só voz”.

Ainda esta segunda-feira, no rescaldo das eleições regionais espanholas em que os socialistas perderam terreno face aos populares, Pedro Sánchez veio reiterar que mantém a oposição a um governo formado por Mariano Rajoy, após nove meses de bloqueio político do país. Uma espécie de contra-ofensiva face à dissidência interna.

Ao mesmo tempo, sublinhou a vontade de tentar formar um governo alternativo com os “partidos de mudança”: o Podemos e o Ciudadanos, anunciando que no sábado tentará validar a sua posição na reunião do comité federal. A Comissão Permanente do PSOE aprovou na segunda-feira uma proposta de Sánchez de convocar um Congresso Federal para o início de dezembro e primárias para 23 de outubro próximo.

A proposta tem ainda de ser aprovada pelo Comité Federal socialista, que reúne este sábado, a 1 de outubro.


Sánchez considera ter o apoio dos militantes e portanto, propõe organizar eleições primárias a 23 de outubro. Somente uma semana mais tarde, a 31 de outubro, expirará o prazo dado pelo Rei Filipe VI para a dissolução do parlamento e convocação de novas eleições, as terceiras em um ano.

O secretário-geral admite haver “um debate profundo” no seio do seu partido sobre esta estratégia. Há dirigentes regionais em oposição e que consideram que o PSOE se deveria abster, para colocar um ponto final à paralisia política do país.

“Quem pensa que poderá fazer melhor, que se apresente”, advertiu Pedro Sánchez, dirigindo-se aos barões do partido.
 
A primeira consulta ocorreu a 20 de dezembro de 2015, e a segunda, a 26 de junho deste ano. As quatro principais forças políticas espanholas (PP, PSOE, Unidos Podemos e Ciudadanos) não conseguiram chegar a um acordo para formar um Governo estável em Espanha.
Esquerda do Podemos contra
A estratégia de Pedro Sánchez para um governo alternativo enfrenta dificuldades já que os centristas do Ciudadanos têm recusado uma aliança com os radicais de esquerda do Podemos.

O jornal El Mundo dá conta esta quarta-feira de que a ala mais esquerdista do Podemos quer evitar “governos mistos” com os socialistas, o setor dos anticapitalistas. O documento político com a estratégia política para a Comunidade de Madrid reclama num dos principais pontos que “se evite a constituição de governos mistos com o PSOE”.

Esta posição pode transcender para um nível nacional porque pode ser decisiva na resolução da batalha pelo poder em Madrid entre os setores pablista e errejonista.

O debate interno está aceso, com posições opostas. Pablo Iglésias insiste na intenção de uma coligação, enquanto Iñigo Errejón reclamou ser “flexível” para colocar “objetivos políticos”. “Aprendemos com os processos passados”, considerou o Errejón, evocando as negociações frustradas de fevereiro que impediram a investidura de Pedro Sánchez.
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