Hollande avisa Theresa May que não terá um acordo à la carte

por RTP
Philippe Wojazer, Reuters

É um uso fácil, mas neste caso o provérbio português diz tudo do recado de François Hollande a Theresa May: os britânicos não podem querer sol na eira e chuva no nabal. O presidente francês avisou a primeira-ministra inglesa que para ter os acordos comerciais que deseja terá de ceder por seu lado na liberdade de circulação para os cidadãos da União Europeia no Reino Unido.

A questão não é nova para a primeira-ministra inglesa. Nestes primeiros tempos no número 10 de Downing Street – esta semana marcados por contactos pela Europa – Theresa May já percebeu que está investida na pasta dos caminhos bifurcados e que doravante cada escolha será vital para o modelo em que o Reino Unido assentará para as próximas décadas, especialmente na relação com os futuros ex-irmãos europeus.

É portanto natural que a cada visita a um líder europeu leve para casa mais um ou dois recados. Da chanceler Angela Merkel é possível que tenha colhido um trunfo: em The Guardian, Rowena Mason aventa a possibilidade de Merkel não se ter oposto completamente à ideia de um modelo que combine o acesso pleno ao mercado europeu com algum grau de controlo de fronteiras por parte dos britânicos.

Já em Paris, outro galo cantou e Hollande avisou que Theresa May terá de fazer a opção e que o livre acesso ao mercado implicará total liberdade de movimentos.

Com May do seu lado, Hollande expôs as condições francesas: “Este é o ponto crucial. E é este o ponto que deverá ser objecto de negociação. O Reino Unido tem actualmente pleno acesso ao mercado único porque respeita as quatro liberdades. Se desejar permanecer no mercado único é sua decisão perceber em que grau é que terá de se ater às quatro liberdades”.

“Uma coisa não pode ser separada da outra. Não pode haver liberdade de movimento de bens, liberdade de movimento de capital, liberdade de movimento de serviços, sem liberdade de movimento de pessoas”, concretizou o presidente francês.

Não é que Theresa May o não saiba também. A questão é outra e, para complicar o jogo diplomático que obrigará May a desenvolver contactos nos próximos meses, está ainda relacionada com os equilíbrios que deve procurar dentro do Partido Conservador.

Face aos resultados do referendo, aceitar a “liberdade de movimentos” teria um custo eleitoral demasiado pesado para os Tories e a chefe do Governo sabe, pela história recente, que os seus próprios deputados poderiam nesse caso fazer-lhe a vida negra.

Este é, portanto, um dos tabuleiros do jogo que pesará para todas as decisões antes ainda de accionar o artigo 50 do Tratado de Lisboa, que colocará em marcha as negociações para a saída e futuro modelo de relacionamento entre UE e Reino Unido.

A primeira-ministra britânica está assim colocada entre dois modelos que têm, cada um, os seus clientes certos. Por um lado os brexiters, os eleitores que votaram pela saída e que apoiaram a perspectiva de um maior controlo dos fluxos migratórios; por outro, os tecidos empresarial e industrial e a City, sectores ligados à finança que desejam a manutenção de um modelo que tem servido os seus propósitos negociais.

Para já, Theresa May mantém estar disposta a respeitar a vontade expressa no referendo, de controlar o movimento de pessoas: “A mensagem que o povo britânico deu no seu voto para o Reino Unido sair da União Europeia é muito clara e devemos introduzir algum controlo no movimento de pessoas provenientes da União Europeia para o Reino Unido”.

Trata-se de uma posição que faz antever negociações duras, tanto mais que foi deixada por May durante a conferência de imprensa conjunta com François Hollande.

Uma posição que encontra eco na argumentação de Boris Johnson, o seu ministro dos Negócios Estrangeiros e uma das principais vozes do “leave” (deixar a UE). O próprio David Cameron, primeiro-ministro que precedeu Theresa May no cargo e principal responsável pela realização do referendo à saída do Reino Unido da União Europeia, aproveitou a última reunião em Bruxelas enquanto chefe do Governo britânico para advertir que os britânicos não aceitariam um acordo que não incluísse algum grau de limitação à movimentação de pessoas para o Reino Unido.

Paradoxalmente, um endurecimento da posição dos 27 da União poderá levar o Reino Unido a perder em toda a linha quando, na última renegociação da sua posição dentro da UE, conduzida por Cameron, conseguiu uma redução de benefícios de imigrantes recém-entrados no seu território, que funcionaria, em todo o caso, como elemento dissuasor dos fluxos migratórios. Essas condições, discutidas em 2015, caíram por terra com a vitória do ‘leave’.

Na cabeça de muitos britânicos estará agora um acordo semelhante àquele de que beneficiam os noruegueses. Mas não é por aqui que passam as preocupações dos líderes europeus, quando estão eles próprios confrontados com movimentos de saída e temem que, dando tudo aos britânicos, darão mão livre ao controlo de fluxos dentro da própria casa. Exemplos? A líder da Frente Nacional Marine Le Pen já o pediu na França.
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