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Iniciativa do Tribunal Constitucional alemão sob fogo cruzado

por RTP
Ralf Stockhoff, Reuters

Ao pedir um parecer ao Tribunal Europeu de Justiça, o Bundesverfassungsgericht colocou-se sob o fogo de duas críticas simétricas e opostas: uma diz que ele matou, dessa forma, a possibilidade de o BCE acorrer em ajuda dos países endividados; outra diz que ele admitiu a sua própria irrelevância, ao pedir que outro tribunal se pronunciasse sobre algo que lhe competia a ele, Bundesverfassungericht, e a mais ninguém. Em tudo isto, só uma coisa é certa: a procissão ainda agora vai no adro.

O Tribunal Constitucional alemão (BVerfG) recebeu escassos aplausos pela sua decisão de pedir que o Tribunal Europeu de Justiça se pronunciasse sobre as OMT (Outright Monetary Transactions - Transações Monetárias Definitivas). As OMT são um programa de aquisição de dívida pública dos países da zona euro pelo Banco Central Europeu (BCE) e o BVerfG submeteu ao Tribunal Europeu de Justiça, sedeado no Luxemburgo, as dúvidas que tem sobre a compatibilidade entre esse programa e o estatuto do BCE."Dúvidas" e certezas do Constitucional alemãoAs "dúvidas" do BVerfG são na verdade objecções convictas, conforme pode depreender-se da fundamentação enviada para o Luxemburgo. Entre outros argumentos, aí se justificam essas "dúvidas" sustentando que o programa de OMT, por introduzir um tratamento diferencial entre países endividados e países prestadores de auxílio, não pode ser considerado um exercício de política monetária - por definição não discriminatória - e sim um exercício de política económica, a única em que pode caber uma discriminação positiva.

Ora, como o BCE não existe para definir polítca económica, o BVerfG deixa à consideração do Tribunal Europeu de Justiça que "a resolução sobre OMT poderá não estar coberta pelo mandato do Banco Central Europeu". E, como o BCE está legalmente impedido de adquirir títulos de dívida pública dos países membros, o BVerfG observa que "esta proibição não pode ser contornada por meio de medidas funcionalmente equivalentes".Expectativas na eficácia da sentençaPeter Gauweiler, o vice-presidente do partido social-cristão CSU, que tem assento no Governo de Merkel, foi dos poucos que festejaram a decisão dos juízes de Karlsruhe, afirmando que se tratava de um êxito de percurso, mas "central", para impedir o desvirtuamento da democracia por instituições supranacionais, ainda por cima não eleitas, como é o caso do BCE.

Segundo citação do Frankfurter Allgemeine Zeitung, também Marcel Fratzscher, o director do Instituto Alemão para Investigação Económica (DIW), considerou como Gauweiler que a decisão do BVerfG terá ao menos alguma eficácia: "A sentença significa a suspensão do programa-OMT", isto porque, em sua opinião, "o BCE não pode, por razões políticas, aplicar um programa enquanto está aberto um processo no Tribunal Europeu de Justiça".
Reafirmação da política do BCENo entanto, o BCE reagiu reiterando que "o programa-OMT cabe nos limites do seu mandato". A Comissão Europeia, através do comissário Oli Rehn, declarou-se "segura de que o BCE - que exerce o seu mandato em completa independência - actua em consonância com o Direito europeu". E mesmo o Governo Federal alemão foi reservado perante uma sentença que o põe em causa, embora fosse comentando que é mesmo o Tribunal Europeu que deve decidir.

Outros críticos da política de Merkel mostraram-se no entanto insatisfeitos com um questionamento que esperavam mais enérgico na pluma dos juízes constitucionais. Assim, o economista e político da direita populista Joachim Starbatty atacou duramente o tribunal de Karlsruhe por ter endossado a decisão ao tribunal do Luxemburgo, afirmando que "desse modo o Tribunal Constitucional abdicou". E acrescentando: "No futuro ninguém precisa de apelar para o Tribunal Constitucional, porque infracções contra a Constituição, a responsabilidade comunitária, o euro ou os interesses europeus serão reencaminhados para o Tribunal Europeu de Justiça".

Mas, ainda a crítica sobre as alegadas abdicação ou confissão de irrelevância do BVerfG não apaga a perspectiva de uma continuação do conflito. Com efeito, se o tribunal europeu caucionar a prática do BCE e do Governo alemão, como tudo indica que fará, dificilmente a bola não voltará, em ricochete, para os juízes de Karlsruhe. Só isso pode deduzir-se da fundamentação claramente anti-OMT que o BVerfG escolheu para o documento enviado ao Tribunal Europeu de Justiça.
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