Investigação sugere assassinato na morte de Pablo Neruda

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
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As primeiras suspeitas teve-as o próprio, naquela tarde de 23 de setembro de 1973. Por isso ligou para a mulher, do hospital onde estava internado havia seis dias. Pablo Neruda sofria de cancro na próstata, mas o que disse foi que lhe tinham dado qualquer coisa e se sentia cada vez pior. O Nobel da Literatura chileno morreria nessa noite, em vésperas de embarcar para o México, onde se dizia que ia liderar um governo no exílio. Cancro, rezavam os documentos oficiais - até que o seu motorista denunciou o alegado assassinato em 2011.

Agora, pela primeira vez, um documento oficial do Ministério do Interior do Governo chileno admite de forma muito segura a possibilidade de o poeta ter sido de facto assassinado, escreve o jornal espanhol El Pais, que teve acesso a esse papel: “[Pablo Neruda] não morreu em consequência do cancro de que padecia, sendo muito possível e altamente provável a intervenção de terceiros”.Pablo Neruda morreu no domingo de 23 de setembro de 1973, às 10:30 da noite, na Clínica Santa María de Santiago de Chile.

As primeiras desconfianças de que a sua morte nada tivera que ver com o cancro de que sofria - que não estaria sequer em fase avançada – foram levantadas pelo próprio poeta.

De acordo com os documentos oficiais, nesse domingo de 23 de setembro - 12 dias depois do golpe de Estado contra Salvador Allende encabeçado por Augusto Pinochet – foi injectado, ou deram-lhe algo na bebida, com uma substância que precipitaria a sua morte. No dia seguinte estava previsto que viajasse rumo ao México, onde o regime suspeitava que iria encabeçar um governo no exílio, para denunciar a actuação do general Pinochet.

São conclusões que constam do documento enviado a Mario Carroza Espinosa, o magistrado encarregado da investigação à morte do poeta, pela equipa do Programa de Direitos Humanos do Ministério do Interior chileno.

Esta revelação consta igualmente de uma nova biografia de Pablo Neruda, da autoria do historiador Mario Amorós - “Neruda. O príncipe dos poetas” - e com publicação marcada para a próxima quarta-feira em Espanha e dia 23 no Chile.
Estafilococos dourado

Antes de validar definitivamente a tese de assassinato, Mario Carroza Espinosa prefere esperar pelas provas. Admite que há uma série de coincidências, provas testemunhais e documentais a apontar nesse sentido, mas há que esperar pelas provas científicas: "Sempre nos inclinámos para a ideia de que havia algo de estranho nos últimos dias. Neruda tinha cancro, mas não estava nem em agonia nem em fase terminal. Ainda que a 23 de setembro o seu estado de saúde se tenha deteriorado e morrido em seis horas".

E há um novo elemento que parece fazer valer a atitude reservada do juiz: o estafilococos dourado.

Em maio passado saíam as primeiras notícias de que uma perícia levada a cabo em Espanha, na Universidade de Múrcia, apontou para a presença do estafilococo dourado no corpo do poeta, que foi exumado depois das suspeitas levantadas pelo seu motorista, Manuel Araya, quase quatro décadas após a sua morte.

De acordo com estudo realizado em Murcia, esta bactéria nada tinha a ver com a outra doença do poeta. Trata-se de uma bactéria que, em doses altas, pode revelar-se letal.

É assim que o juiz Carroza Espinosa afirma que está à espera "do resultado de dados científicos mais recentes, revelados em maio. É uma bactéria, germe estafilococos dourado, encontrada no corpo do poeta”. De acordo com o El País, a data limite para a entrega destes últimos exames aponta a março de 2016. Ou seja, em quatro meses poderá ser confirmada a tese de que o regime do general Augusto Pinochet voltou a usar os seus algozes amestrados – no caso um médico – para silenciar a voz dissonante do poeta.
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