Kristalina Georgieva entra na corrida à ONU com críticas a António Guterres

por Christopher Marques - RTP
Kristalina Georgieva e António Guterres participaram em 2012 numa conferência de imprensa conjunta. Georgieva representava então a Comissão Europeia, António Guterres liderava o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados Muhammad Hamed - Reuters

Foi durante meses uma candidata-sombra, faltou a todas as votações informais até agora realizadas mas cá está ela. Kristalina Georgieva carrega o sonho de todos os que desejam ver uma mulher de leste no topo das Nações Unidas. A búlgara começou já a criticar António Guterres, mas não terá vida fácil. Terá de contar também com a concorrência da sua compatriota Irina Bokova, a socialista que recusa deixar a via aberta à preferida de Angela Merkel.

É a candidata da Alemanha, apresentada pela Bulgária. A preferida de Angela Merkel para o mais alto cargo das Nações Unidas entrou esta quarta-feira oficialmente na corrida ao lugar de Ban Ki-Moon.

A escolha não está isenta de críticas. Kristalina Georgieva entra na corrida meses depois dos restantes candidatos, quando já decorreram cinco votações informais. Em todas elas, o português António Guterres foi quem conseguiu o melhor resultado.

Georgieva, atual comissária europeia para o Orçamento e Recursos Humanos, obtém de Bruxelas uma licença sem vencimento para se focar na corrida. Uma prova na qual só entra depois de ter ficado claro que a outra candidata búlgara, Irina Bokova, não reunia apoio suficiente para chegar ao topo das Nações Unidas.
Uma mulher de leste
Apesar de entrar atrasada na corrida, Georgieva é a melhor hipótese de a secretaria-geral ser ocupada por alguém da Europa de Leste. Não só se cumpriria a rotatividade regional – nunca alguém da Europa de Leste chegou a secretário-geral – como se satisfaria a ambição de entregar o topo das Nações Unidas a uma mulher.

A versão europeia do site Politico avança que a comissária só entra na corrida depois de ter assegurado que a candidatura é apoiada por vários governos da Europa de Leste – e não apenas pela Bulgária – e de estar convicta que não será vetada por nenhum dos membros permanentes do Conselho de Segurança.

Aliás, é já na próxima votação de 5 de outubro que os membros permanentes terão de divulgar quais são os candidatos que apoiam e quais aqueles que pretendem vetar – excluindo-os assim da corrida.
Quem não quer Guterres?

António Guterres tem liderado todas as votações, tendo no entanto recebido também alguns votos de desencorajamento – se estes tiverem sido apresentados por um dos membros permanentes do Conselho de Segurança, o sucesso da candidatura do ex-primeiro-ministro está verdadeiramente em risco.

António Guterres nunca recebeu mais do que três votos de “desencorajamento”, o que só aconteceu na terceira votação. Na primeira votação, António Guterres não recebeu votos negativos, tendo recebido dois nas restantes (segunda, quarta e quinta votação).

O português apresenta-se como o verdadeiro rival de Georgieva na corrida às Nações Unidas. Se António Guterres preferiu não comentar a nova candidatura búlgara, Georgieva já começou a criticar o ex-primeiro-ministro.

“Guterres afirma que o sistema está falido, não quebrado”, acusa a búlgara. Georgieva considera que Guterres acredita que “com mais fundos podemos solucionar os problemas. Mas o sistema está quebrado, está bastante quebrado”, ataca em declarações ao Politico.
Convencer Moscovo
A mais recente candidata ao topo das Nações Unidas acredita que é a escolha certa para as Nações Unidas, afirmando que vê o mundo “na sua complexidade” e que tem a “capacidade para ver como as coisas estão ligadas”.

As suas qualidades são reconhecidas essencialmente pela Alemanha e pela Comissão Europeia. À frente de Georgieva, atravessa-se a Rússia e poderá também apresentar-se a França, que tem apoiado António Guterres.

Convencer Moscovo poderá ser a tarefa mais difícil, apesar de Georgieva ser uma candidata da Europa de Leste e até falar russo.

No entanto, a búlgara não deixa de se apresentar como uma escolha de Angela Merkel e de fazer parte de uma Comissão Europeia que impôs sanções a Moscovo na sequência do conflito ucraniano. Bokova era uma escolha apoiada por Putin, Georgieva não o é.
Bokova quer continuar
António Guterres não será o único adversário de Kristalina Georgieva. A búlgara Irina Bokova, a primeira candidata apresentada pelo Governo de Sófia, garante que se mantém na corrida.

A diretora-geral da UNESCO indicou através do twitter que se manteria na corrida, o que poderá elevar a luta pelo lugar de Ban Ki-Moon: duas personalidades políticas do mesmo país na corrida pelo mesmo posto.


O tweet de Irina Bokova apenas confirma as declarações que tinha feito ao longo dos últimos dias, dando conta do seu interesse em manter-se na corrida.
Georgieva não surpreende

Apesar de aparecer na reta final, a candidatura da comissária europeia não surpreende ninguém. Era já falada há meses e avançada como uma possibilidade. Chegou mesmo a ser noticiado que Kristalina Georgieva era uma escolha promovida por Angela Merkel e Durão Barroso.

Em Portugal, a candidatura de Georgieva não surpreende mas não deixa ninguém satisfeito. Em poucas palavras, Marcelo Rebelo de Sousa comparou a mudança de candidatura apoiada por Sófia a uma maratona.

“Tive aquela sensação de estar a ser corrida uma maratona e de repente aparecer um concorrente que entra nos últimos 100 metros para tentar ganhar a maratona”, explicou o chefe de Estado.

Em representação do Governo português, o ministro dos Negócios Estrangeiros disse ver com “serenidade” a mudança de candidatura búlgara, mas sublinhou que a candidatura de António Guterres foi “transparente e a tempo”.

“Fizemo-lo a tempo, com toda a transparência e de forma a que António Guterres fosse sujeito a todas as provas e passos que o processo de seleção a secretário-geral das Nações Unidas hoje exige”, explicou Santos Silva.
"Golpe de secretaria"

O eurodeputado social-democrata José Manuel Fernandes também critica o avanço de Georgieva, notando que suspende as funções na Comissão num “momento de negociações cruciais” para o Orçamento da União de 2017.

Apesar de Kristalina Georgieva ser também do Partido Popular Europeu, José Manuel Fernandes não deixa de notar que esta é uma "candidatura que procura aqui um atalho, em vez de seguir o percurso que os outros candidatos fizeram".

José Manuel Fernandes enaltece as qualidades da comissária mas insiste que é António Guterres quem “merece o cargo”.

O CDS-PP reagiu também às mudanças na corrida, com Nuno Magalhães a mostrar-se surpreendido com o “golpe de secretaria, à última da hora” e a manter o apoio ao ex-primeiro-ministro português.
pub