Lei do Trabalho, a fratura exposta na França de Hollande

por Ana Sanlez - RTP
Charles Platiau - Reuters

Os protestos contra a nova Lei do Trabalho em França estão a levar milhares de pessoas para as ruas. O primeiro-ministro Manuel Valls permanece inflexível e não admite mudanças de fundo à lei, garantindo que não vai ceder perante o caos provocado pela paralisação do sector energético. Mas nem no seio do Governo há consenso. E está convocada para 14 de junho uma nova greve geral.

Os sindicatos prometem esticar a corda até ao limite, ou até que o Governo admita voltar atrás na polémica reforma ao código do trabalho.

Na quinta-feira, oitava jornada de contestação, o primeiro-ministro francês admitiu que alguns pontos do texto podem ser modificados. Mas Manuel Valls rejeita fazer alterações às bases fundamentais da proposta, nomeadamente ao artigo 2, o principal foco da contestação.

Manuel Valls condenou a mobilização da Confederação Geral do Trabalho, a principal força da contestação, e garantiu que a lei será aprovada no verão. O primeiro-ministro francês tentou sensibilizar os grevistas, sublinhando que “são os franceses que sofrem” com as paralisações, que em breve podem começar a “pesar” na economia do país.

Perante as ameaças dos sindicatos, que prometem manter o bloqueio das refinarias e os cortes de produção nas centrais nucleares, Valls assegurou que “todas as opções estão em cima da mesa”, no que toca às medidas que o Governo poderá tomar para forçar o regresso dos piquetes ao trabalho, entre elas a requisição civil.

Para o governante, a reforma laboral “é boa” para as empresas, para os trabalhadores e para os sindicatos.
Então porquê tanto barulho?
A reforma que o Governo francês quer levar a cabo no sector laboral prevê, entre outros aspetos, dar prioridade aos acordos de empresa sobre os acordos coletivos de trabalho, ao contrário do que acontece atualmente. O que implicará, por exemplo, o fim do limite das 35 horas de trabalho semanal, se o acordo de empresa assim o impuser.
Uma medida que, para o Executivo de François Hollande, vai contribuir para aumentar a produtividade e reduzir o desemprego para menos de dez por cento, e que na visão dos sindicatos põe em causa os direitos dos trabalhadores e levará a uma redução dos salários.

A nova legislação pretende flexibilizar os processos de contratação e despedimento e impor um limite às indemnizações em caso de despedimento coletivo. A lei vai ainda permitir que as empresas utilizem a má situação económica como justificação para o despedimento.

Empresas com menos de dez funcionários podem despedir com justa causa ao fim de um mês de prejuízos, enquanto companhias com menos de 300 trabalhadores podem recorrer ao argumento ao fim de três trimestres de queda dos lucros. Para as grandes empresas a lei obriga a esperar um ano.

Além disso, o Governo optou por aprovar a lei por decreto, sem votação no Parlamento. O texto ainda terá de ser submetido ao Senado, mas também aí o Governo pode forçar a aprovação das medidas.

Não é só entre os sindicatos que a lei tem gerado polémica. No seio do próprio Partido Socialista há quem tenha dúvidas sobre algumas medidas. O ministro das Finanças foi o último a admitir que a legislação pode precisar de mudanças. Antes, o líder parlamentar socialista, Bruno Le Roux, tinha manifestado a mesma posição.
Liberdade, igualdade, conflitualidade
Os protestos contra a Lei do Trabalho começaram em março, com a primeira grande manifestação a sair para a rua no início de abril.

Esta quinta-feira os protestos estenderam-se a todo o país, com o número de participantes a variar dependendo de quem o interpreta. As associações sindicais falam em 300 mil pessoas nas ruas, enquanto o Executivo contabilizou cerca de 153 mil.
 
Entre 20 e 30 por cento das gasolineiras do país estão encerradas ou a funcionar a meio gás, a capacidade de produção de eletricidade caiu seis por cento e as oito refinarias petrolíferas foram encerradas e o acesso aos depósitos bloqueado. O Governo admitiu ter recorrido ao equivalente a três dias de reservas de produtos petrolíferos, de 115 disponíveis.

Os ânimos aqueceram em alguns pontos do país, onde os protestos culminaram em confrontos entre a polícia e os manifestantes. No total terão sido detidas 77 pessoas e 15 polícias ficaram feridos.



Perante o clima de tensão, acentuam-se as preocupações em torno do Europeu de futebol, que começa dentro de duas semanas em França. O próximo protesto, uma greve geral, está marcado para 14 de junho, quatro dias de pois do início do campeonato e no dia em que se realiza o primeiro jogo da seleção Nacional.

Os sindicatos não colocam de lado a hipótese de o Euro2016 sofrer algumas consequências dos protestos. Olivier Besancenot, antigo líder do partido anti-capitalista francês NPA, avisa que “as divisões vão acabar por surgir no governo à medida que o Euro 2016 se aproxima. Não se pode, por um lado, ter dois meses e meio de protestos e imaginar que podemos acolher o Euro sem combustíveis, carros e transportes e mesmo sem eletricidade”.
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